Aos 28 de julho de 2002, publiquei neste Caderno o artigo Entender o global para construir a história local, com a finalidade de enfatizar a importância da permanência da memória local. Após quase quatro anos dessa publicação, não mudei de opinião. Aliás, reforço meu pensamento citando Ortiz (1997): ?(…) a mundialização da cultura, para existir, deve se tornar uma dimensão da vida cotidiana, deve se localizar. Porém, assim fazendo, rearticula as relações de força dos lugares nos quais se enraíza?, ou seja, o local se fortalece com o global. Exemplo disso, é o da memória da professora Floripa Teixeira de Faria.
Natural de Almirante Tamandaré-PR, Floripa nasceu em 11 de janeiro de 1894, filha de Salvador Teixeira de Faria e Clara Bueno de Faria. Viveu ao lado de Ventura Ribeiro uma linda história de amor, agraciada com quatro filhos. O romantismo foi intenso durante o namoro, conforme uma das cartas escritas por Ventura, em 9 de fevereiro de 1917:
?Exma. Senhorita Floripa.
Floripa Teixeira de Faria (1894-1969). |
Não cessaram as contrações violentas do coração desde que recebi a tua estimada carta. Chegou a ser dolorosa esta alegria. Serás tu o meu primeiro amor, o verdadeiro, o único de minha alma? Adoro-te com a maior ve-emência que pode o coração humano. Jura-me que eu não seria acolhido em tua alma, se tivesse encontrado quem por ti sentisse esse amor. Serei eu o teu amor para toda a tua vida? Não senti que hei de preencher todas as tuas ambições. Esqueço que fui feliz. Queria ter padecido mais para convencer-me de que és a minha única recompensa. Tenho sofrido pouco para te merecer, quero que ouças a demonstração do homem que só tinha no coração a tua imagem e no horizonte do teu futuro a tua sombra. Será toda esta minha felicidade o presságio de grande fortuna.
Teu adorador Ventura Ribeiro?.
A carta de Ventura fala do amor que transcende o mundo físico. Na atualidade esse conceito de amor parece não estar em voga, pois a maioria das pessoas tem na atração física a essência do amor.
Ventura Ribeiro (1894-1927). |
Logo que Floripa e Ventura se casaram foram morar em Colombo-PR, porém após a morte do marido, aos 30 de março de 1927, Floripa voltou a residir em Almirante Tamandaré, onde trabalhou na agricultura e foi costureira.
Naquela oportunidade foi aberta uma vaga de professora na Escola Isolada de Tranqueira. O município não dispunha de candidatos competentes para a função, com exceção de Floripa, que demonstrava preencher os requisitos para a função (embora não fosse formada), por isso foi nomeada professora em 1927. Labutou por mais de 25 anos na referida escola, onde se aposentou.
Relata-se que foi exímia educadora, estimada pelos estudantes e pela comunidade. Prova disso é a existência do colégio que leva o seu nome: Colégio Estadual Floripa Teixeira de Faria. Tive a oportunidade de conhecer o estabelecimento. Fiquei encantado com o prédio moderno, inaugurado no ano passado pelo governador Roberto Requião, e com o fino atendimento da equipe administrativa.
Depoimento
Josefina dos Santos Von Kruger, residente na Rua Brás Alves, 29, bairro Areias, Almirante Tamandaré, que foi adotada por Floripa com oito meses de idade, tão logo ter sido constatada a enfermidade da mãe e a impossibilidade da sua cura, comenta que tudo o que é, deve a dona Floripa, que lhe ofereceu uma formação cristã católica e uma criação com muito amor.
Um fato curioso me chamou atenção. Floripa conviveu por longos anos com um problema na garganta. Ela não quis ir ao médico. Quando teve problema mais sério de saúde e contou ao médico, este lhe disse que ela não resistiria a uma cirurgia. A enfermidade na garganta impossibilitava o fluxo normal dos alimentos até o estômago, conforme Josefina explica: ?Dona Floripa não conseguia comungar porque machucou a garganta, nem líquido engolia.
E as vezes eu fico pensando: como ela viveu? Ela tinha uns trinta e poucos anos, já estava viúva, quando aconteceu isso, e ela nunca reclamou de nada. (…) Ela pegava uma caneca de café e tomava, mas aquele café não ia adiante, ficava parado na garganta, e depois retornava pela boca. Assim foi a vida dela?.
De acordo com Josefina, Floripa previu o dia de sua morte e teve uma morte serena. Inclusive pediu a Josefina que estivesse ao seu lado no momento final, fato ocorrido em 18 de novembro de 1969.
Considerações
A história da saudosa Floripa é uma história de amor, de doação e de sofrimento. Será que as pessoas, na atualidade, conseguem superar as dificuldades e viver uma vida plena como viveu Floripa? Observo, muitas vezes, que pessoas com problemas pequenos, comparados ao vivido por Floripa, mergulham no mundo das drogas e cometem suicídios. Floripa foi resistente e venceu! Uma heroína!
Temas semelhantes devem ser trabalhados pelos professores com os estudantes, pois, como diz Ecléa Bosi (2005), ?a narração da própria vida é o testemunho mais eloqüente dos modos que a pessoa tem de lembrar?.
Jorge Antonio de Queiroz e Silva é historiador, palestrante, pesquisador, professor. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.