Ontem, dois dos três representantes franceses em Veneza foram apresentados – e falam do mais francês dos temas o relacionamento entre os sexos. 5×2 (Cinq fois Deux), de François Ozon, e Rois et Reine (Reis e Rainha), de Arnaud Desplechin, foram bem recebidos pelo público. Nenhuma ovação, mas ganharam palmas respeitosas, ao contrário do único candidato russo até agora apresentado, Controle Remoto, de Svetlana Proskurina, que ganhou uma sonora vaia da platéia. A expectativa era grande, já que outro russo, O Retorno, foi o ganhador do festival no ano passado.
François Ozon é autor de outros filmes já lançados no Brasil como Sob a Areia, Swimming Pool e Gotas d’Água sobre Pedras Escaldantes (baseado em peça de Fassbinder). Em 5×2 coloca em cena a dança amorosa entre Marion (Valeria Bruni-Tedeschi) e Gilles (Stéphane Freiss), mas não em linha reta. Começa pelo fim e vai passo a passo em direção ao início de tudo. Seleciona cinco momentos que julga cruciais na relação: a separação, a vinda de um filho, o casamento, uma reunião de amigos onde algumas revelações são feitas, o enamoramento. Cinco quadros da vida conjugal, daí o título, cada um deles separado por uma canção romântica italiana, o que causa uma certa melancolia, mas ao mesmo tempo algum distanciamento e ironia.
Se as reações estão desencontradas na mostra principal, a consagração tem sido total em outra sessão do festival, a dedicada aos filmes B italianos. São títulos que em sua época foram considerados precários, de mau gosto e hoje recebem a atenção. Vivemos a religião do trash, um pouco em toda parte, e seu apóstolo, o americano Quentin Tarantino, veio a Veneza prestigiar o evento. Confinado a um espaço menor do Palácio, a Sala Volpi, a mostra sido prestigiada em especial pelos jovens, que acampam em sua porta para guardar lugar.
Mas essa é a periferia do festival. Seu centro, fica mais claro a cada dia, passou a ser dominado por Hollywood. Nunca, nos últimos anos, os grandes estúdios americanos despejaram tantos lançamentos e astros e estrelas no Lido para promovê-los como agora. Essa parece ter sido a grande modificação da filosofia de trabalho trazida por Marco Müller em relação à gestão anterior de Moritz de Hadeln. Tanto que no Hollywood Reporter, espécie de Diário Oficial da indústria americana, Müller mandou recado aos estúdios dizendo que viessem porque este seria um “novo festival”, mais receptivo a eles. E acrescentou: “Vamos providenciar fantásticos junkets (conferências de imprensa) para os filmes de vocês.”
Tom Cruise apaixona Veneza
O grande acontecimento do Lido foi mesmo a chegada e a entrevista de Tom Cruise, Michael Mann e elenco de Colateral, o denso thriller já em cartaz no Brasil, mas ainda inédito por aqui. Badalação, sim, mas pelo menos por um filme que vale a pena.
Nele, Cruise faz o papel de Vincent, matador de aluguel que aluga um táxi e sai pela noite de Los Angeles para cumprir nada menos do que cinco “contratos” de morte. “O personagem de Vincent é muito complexo, por isso levei cinco meses para preparar a sua composição”, diz o ator. Nesse trabalho esteve incluído o treinamento para uso de armas. Mas principalmente a interiorização de um personagem sem nenhum senso moral aparente. “Ele nada tem a ver comigo, eu não mataria ninguém”, disse Cruise, ponderando que talvez para Bin Laden abrisse uma exceção. Mas foi apenas uma piada.
O ator também não se surpreende de esse ter sido o primeiro personagem “mau” de sua carreira, ele que sempre viveu tipos mais positivos. Michael Mann disse que a cidade em que filmou, Los Angeles, era o palco necessário para a história que desejava contar. “Não me vejo fazendo esse filme em Chicago ou em Nova York”, disse. “Los Angeles tem esse ar de mistério, essa atmosfera de sonho que é verdadeiramente única e eu precisava para essa trama.”