Consagrado pela crítica na sexta-feira – recebeu o prêmio Fipresci, como melhor filme da competição no 67º Festival de Cannes -, o turco Winter Sleep, de Nuri Bilge Ceylan, também ganhou no sábado a Palma de Ouro – mas por mais merecida que tenha sido a vitória de Ceylan, ela deixou a sensação de que o júri não foi justo com o canadense Xavier Dolan. Ouro para Winter Sleep e bronze para Mommy? Na sala de imprensa, o anúncio de que Mommy estava recebendo o prêmio do júri veio acompanhado de vaias, e não contra o filme, mas contra Jane Campion, sua presidente.
Dolan dividiu seu prêmio do júri com Jean-Luc Godard, por Adieu au Langage. O mais velho diretor da competição – Godard, 83 anos , e o mais jovem, Dolan, de 25. A pouca idade não impede que ele já tenha uma obra – Mommy é seu quinto filme – e também uma história na Croisette, mesmo que Mommy seja seu primeiro filme na competição. Desde a exibição de Adieu au Langage, uma pergunta foi insistentemente repetida em Cannes. Do que Godard está falando? De um homem, uma mulher e um cachorro, Roxy. A frase lapidar do filme: o cachorro é o único ser da criação que ama mais o homem que a si mesmo.
Dolan, o formato quadrado e, eventualmente, o full screen – a tela cheia, em dois planos. Godard, o 3D. O jovem e o velho foram os autores que mais ousaram, em termos de linguagem, neste festival. Godard nem se dignou a buscar seu prêmio – foi representado pelo produtor Alain Sarde. Dolan foi, e emocionou. Ele contou que O Piano, de Jane Campion, foi o primeiro filme que se lembra de ter visto. Ficou tão siderado que resolveu que iria fazer filmes, e sobre mulheres. Jane Campion deixou seu lugar no júri e atravessou o palco do Grand Theatre Lumière para abraçar e beijar Dolan. Na plateia, Anne Dorcel, atriz fetiche do cineasta, chorava, celebrando o seu garoto.
Excelência
É difícil dizer quem criou a expressão, mas já faz tempo que o nome de Nuri Bilge Ceylan virou sinônimo de excelência. O grande diretor aborda a questão do intelectual no mundo moderno. E ele dedicou Winter Sleep à juventude que, em todo o mundo, enfrenta os desafios da contemporaneidade. Desemprego, autocentrismo, culto da individualidade. É um grande filme, muito bem escrito e iluminado. Há um mistério da luz no cinema de Ceylan. Seus céus são cinzentos e, no interior das casas, áreas de sombras ameaçam tragar os personagens. A luz não é estetizante. É conceito, é personagem. O movimento do homem para a luz – para a consciência – é seu tema.
A Palma de Ouro para Ceylan foi o maior acerto do júri. O prêmio para Dolan e Godard foi coerente, senão totalmente satisfatório. O restante da premiação foi mais complicado. A prata – o Grand Prix – foi para uma mulher. Não se esperava outra coisa de Campion, que, em quase 70 anos de Cannes, permanece como a única mulher a ter recebido a Palma. Mas o Grand Prix talvez tenha ido para a mulher errada. Ao invés de Naomi Kawase, com o filme mais transcendente da seleção, o mais zen – Still the Water -, Campion e seu júri preferiram premiar a italiana Alice Rohrwacher, de Le Meraviglie (leia entrevista). Foi uma escolha inesperada e, para alguns, despropositada. Uma derrapada do júri na conceituação.
Foi tão bonito o discurso de agradecimento de Timothy Spall que deu até vontade de esquecer que ele não foi, de jeito nenhum, o melhor ator do festival, mesmo recebendo o prêmio por seu papel em Mr. Turner, de Mike Leigh, no papel do pintor J.M.W. Turner, que tanto influenciou os impressionistas. Spall lembrou que, anos atrás, deveria ter vindo a Cannes com outro filme de Leigh, mas foi diagnosticado de câncer. Agradeceu ao bom Deus por haver sobrevivido – e por ganhar o prêmio de interpretação. Havia muitas concorrentes a melhor atriz – Marion Cotillard, do filme dos irmãos Dardenne, Dois Dias e Uma Noite, as intérpretes de Mommy, de Xavier Dolan. O júri preferiu premiar Julianne Moore, por Maps to the Stars, de David Cronenberg. Nada contra Julianne, mas contra o filme. O melhor roteiro foi o do russo Andrei Svyagintsev, de Leviathan, poderoso ataque à Rússia de Putin. O prêmio de direção consagrou o americano Bennett Miller, de Foxcatcher. Faltou um prêmio para o africano Abderrahmane Sissako. Timbuktu, com sua crítica à jihad, não poderia ter sido excluído. É um belíssimo filme.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.