Stephen Daldry admitiu para o repórter do jornal O Estado de S.Paulo que fica sempre nervoso em pré-estreias, mas o caso de Trash – A Esperança Vem do Lixo era especial e ele estava ainda mais ansioso. Citou a diferença de cultura, de idioma. A ansiedade foi-se diluindo durante a sessão oficial de Trash no Festival do Rio, na terça-feira, 7, à noite. A reação do público foi descontraindo o diretor. O aplauso final, mesmo vindo de uma plateia de convidados, lavou sua alma. Na festa, estava feliz.

continua após a publicidade

Trash estreia nesta quinta-feira (9) e pode até ser que a crítica não seja tão generosa quanto a plateia de vips que aplaudiu o filme no Rio, mas isso também seria compreensível. O filme brasileiro do diretor de Billy Elliot, As Horas e O Leitor propõe o que não deixa de ser uma contradição em termos. Narra uma fantasia – uma fábula – de forma realista. Cidade de Deus de um ângulo em que Zé Pequeno não abre carreira no tráfico, mas combate a violência e a injustiça, a polícia e os políticos violentos e corruptos.

Como disse o roteirista Richard Curtis ao repórter, “pensava que fazíamos um filme sobre a caçada a uma carteira desaparecida, mas descobri que, na verdade, nosso filme fala de esperança.” Um trio de garotos vence tudo e todos. Impossível? Talvez improvável, mas a mágica de Daldry consiste em tornar a fantasia do livro de Andy Mulligan possível.

Wagner Moura, que não tem por hábito elogiar impunemente, disse na coletiva de Trash, no Rio, que Stephen Daldry é um artista “muito genial” e que é muito bacana ter um diretor como ele “olhando o Brasil desse jeito”. E que jeito é esse? Com esperança, como o público poderá verificar a partir de hoje em salas de todo o País. Selton Mello pagou o que não deixa de ser um tributo ao diretor inglês – “Trash marca meu renascimento como ator. Investi tanto na direção que fui perdendo o interesse pela representação. Stephen me fez recuperar o brilho do olho. E ele me propôs esse personagem violento e corrupto que nunca fiz antes. Nenhum diretor brasileiro jamais me propôs um papel desse. Só posso agradecer.”

continua após a publicidade

Foram estranhos os caminhos que terminaram por fazer de Trash um filme brasileiro. O produtor Kris Thykver tem uma amiga editora que lhe enviou, em 2010, a prova do que seria o novo livro de Andy Mulligan. Ele leu – uma aventura infantojuvenil – e imediatamente tratou de adquirir os direitos. Enviou a sinopse a três ou quatro diretores. Stephen Daldry respondeu de cara. No livro, a ação situa-se num país – pobre, do Terceiro Mundo – que não é identificado.

Kris chegou a pensar em parcerias com a Índia e as Filipinas, mas Stephen Daldry conhecia Fernando Meirelles (e admira Cidade de Deus). A O2 tornou-se a parceira internacional de Trash, mas havia um problema – o roteirista Richard Curtis, de Quatro Casamentos e Um Funeral e Simplesmente Amor, não queria apenas traduzir seus diálogos do inglês para o português.

continua após a publicidade

Graças ao empenho de uma equipe – de atores e técnicos – que Daldry, Curtis e Thykver definem como ‘fantástica’, Trash foi se fazendo brasileiro. Dois garotos num lixão. Um deles encontra uma carteira com dinheiro e algo mais, uma mensagem e uma chave. Um terceiro garoto junta-se à dupla original e o trio segue pistas que foram deixadas pelo personagem de Wagner Moura. Os três viram alvo de uma caçada humana, e terminam por expor a corrupção e a violência de policiais e políticos. O livro de Andy Mulligan é uma fantasia – uma fábula. Contra tudo e todos, mas com alguma ajuda – do padre e da voluntária que trabalham na missão do lixão -, os garotos, com risco de vida, conseguem dar a volta por cima. É um filme que tem ação, humor, drama, suspense. É uma aventura, narrada realisticamente, no estilo urgente de Cidade de Deus (ou quase).

Wagner Moura matou a charada. “Não acho que seja um filme político, mas tem a política como um dos elementos presentes. Traz isso na figura do meu personagem, que influencia a ação das crianças. Elas podiam escolher o caminho mais fácil, mas optam pelo mais difícil, guiadas pelo espírito, pela atitude dele”, explicou o ator na coletiva. Existem os garotos, Wagner, com quem eles não contracenam – o personagem aparece rapidamente no começo e, depois, só em flash-back – e o policial violento de Selton Mello, disposto a matar – se preciso – para manter o corrupto sistema vigente. Trash começou a ser filmado em agosto de 2013, no Rio.

Antes disso, Daldry e seu roteirista já percorriam a rota Londres/Rio/Londres para fazer pesquisas e escolher atores. Pouco mais de um ano depois, Trash estreia em 250 salas de todo o Brasil. E mesmo que Daldry tenha admitido (no texto da capa) sua ansiedade antes da estreia, seus filhos e os do roteirista Richard Curtis aprovaram Trash. “É bom não esquecer que se trata de um kid’s movie”, adverte Curtis.

Embora importantes, os personagens de Martin Sheen (o padre) e Rooney Mara (a voluntária) são apenas delineados e não oferecem grande possibilidade de criação para a dupla. Ambos são ‘engolidos’ pelos atores brasileiros (Wagner Moura, Selton Mello, José Dumont, André Ramiro). Os garotos, escolhidos em comunidades, são sensacionais. Boa parte, senão toda a emoção do filme, vem do trio formado por Rickson Tevez (Raphael), Eduardo Luís (Gardo) e Gabriel Weinstein (Rato). Na coletiva, José Dumont, a quem Wagner chamou de “maior ator brasileiro”, comparou-os a pérolas e disse que, depois da América, chegou a vez de o Brasil mostrar “nossos Marlon Brandos”. E acrescentou – “Se a gente não olhar para essa juventude com confiança no futuro, então não vale a pena (fazer o filme). Trash recupera a esperança.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.