Já foram apresentados os dois brasileiros concorrentes do 25º Cine Ceará – Real Beleza, de Jorge Furtado, e Cordilheiras no Mar: A Fúria do Fogo Bárbaro, de Geneton Moraes Neto.

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Real Beleza fala…de beleza. E de outras coisas também, como destaca seu diretor Jorge Furtado. A história? A de um fotógrafo descobridor de talentos femininos, João (Vladimir Brichta), que tenta convencer os pais de uma garota bonita, Maria (Vitória Strada) a autorizá-la para que siga carreira de modelo. A mãe (Adriana Esteves) não opõe resistência. Nenhuma, aliás. Mas o pai (Francisco Cuoco) acha que a menina deve completar estudos antes de decidir o que fazer da vida.

Furtado, como é do seu feitio, abre o leque de sua temática em aparência restrita. A paixão do fotógrafo por sua modelo transforma-se em amor por uma mulher mais madura, o que implica em outras circunstâncias para a história. A resistência do pai cede sob uma compreensão talvez baseada em sua cultura acumulada. Há uma sobreposição de referências, com o pai reticente desdobrando-se num Borges cego em sua biblioteca, etc. Esse antidrama, no fundo uma trama minimalista, não aponta para um desfecho, mas para um fluir, um devir, como acontece na vida, aliás. As coisas vão acontecendo, simplesmente, sem qualquer necessidade de finais operísticos. Na entrevista, Furtado citou um filme de Éric Rohmer, Pauline na Praia. “Quando o assisti fiquei fascinado. A trama vai se complicando de tal forma que ficava me perguntando como ele faria para resolvê-la. Sabe o que acontece? As personagens simplesmente vão-se embora, e acabou. Não precisa resolver, como muitas vezes não resolvemos na vida”, diz.

Fica, no entanto, a impressão de algo de fato incompleto, pouco aprofundado, como se a necessidade de se comunicar com um público cada vez mais arredio ao filme nacional tivesse imposto certa auto-limitação ao diretor. Enfim, saímos do almoço, por assim dizer, com certa fome.

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O outro longa brasileiro, Cordilheiras no Mar, do repórter da Globonews Geneton Moraes Neto, tenta colocar em perspectiva o polêmico apoio de Glauber Rocha ao projeto de abertura política do general Ernesto Geisel. Como se sabe, essa posição de Glauber foi recebida com grande repúdio pela quase totalidade da esquerda brasileira, empenhada na contestação do regime. O filme se baseia em falas e imagens do próprio Glauber, em dramatizações (nas quais entram os filhos do diretor, Paloma e Henrique, e do ator Claudio Jaborandi) e depoimentos de contemporâneos. Entre eles, Luiz Carlos Barreto, Arnaldo Jabor, Zelito Viana, Jaguar, Luiz Carlos Maciel, o ex-ministro de Geisel Reis Veloso, etc.

Claro que há dissonâncias (em especial de Jaguar e Zelito), mas o tom geral é mais para o afinado e conflui pela incompreensão das esquerdas em relação aos propósitos de Glauber Rocha naquele momento. Longe de ser um traidor, como chegou a ser chamado, Glauber teria vislumbrado um caminho para a redemocratização e se decidido a apoiá-lo. A fonte dessa convicção teria sido uma conversa entre Glauber e o presidente deposto pelo golpe, João Goulart, no exílio e com o ex-governador Miguel Arraes. Glauber chegou a escrever uma peça sobre Jango, remetendo a ideias do ex-presidente.

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De acordo com Geneton, o Brasil vive hoje um momento de intolerância política muito grande, semelhante, nesse aspecto, àquele no qual brotou a hostilidade a Glauber. “O filme é um convite para pensarmos o Brasil”, diz. Sem ódio, de preferência, já que esse sentimento primário é de todo avesso ao debate político. No entanto, é bom notar, de saída, que Cordilheiras do Mar se presta, ou antes, exige, uma longa discussão. Apesar de algumas contestações internas, o tom dominante transforma Glauber em mártir e profeta incompreendido naquela quadra da vida nacional (início dos anos 1970. Geisel assume em 1974 e vai até 1979). Culmina com Reis Veloso afirmando textualmente, e repetindo: “A esquerda matou Glauber Rocha”. Há controvérsias.

E pontos de vista contrários pontuaram o debate com Geneton, até agora o mais animado e acirrado do festival. Se as ideias contrárias foram expressas em tom que nunca ultrapassou os limites da civilidade, nem por isso foram menos incisivas. Geneton foi acusado de, ao promover a defesa de Glauber, naquele episódio, ter, ao mesmo tempo, desculpado o regime militar. Ele mesmo admite: “Um velho amigo do Recife, Amin Stepple (cineasta e roteirista) viu o filme e disse que ele representava a absolvição completa de Glauber, mas que corria um risco, o de absolver também a ditadura militar”.

Se não chega a isso, de fato Cordilheiras no Mar exibe um potencial de polêmica que, até agora, não havia batido no festival. Poucos filmes brasileiros, aliás, têm sido capazes de tirar o público da indiferença, em festivais ou nas salas comerciais. O cinema brasileiro anda morno. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.