Filmes sobre a violência policial brasileira e o horror da guerra vencem o É Tudo Verdade 2018. “Auto de Resistência”, de Natasha Neri e Lula Carvalho ganhou a Competição Brasileira de longas-metragens enquanto “O Distante Latido dos Cães”, de Simon Lereng Wilmont, foi o eleito na Competição Internacional de longas.
Ambos debruçam-se sobre mazelas contemporâneas, porém com largo lastro histórico. No Brasil, “Auto de Resistência” mostra como um expediente jurídico serve à impunidade de policiais que praticam execuções sumárias no Rio de Janeiro. As imagens são de impacto e, numa delas, vemos de relance a vereadora Marielle Franco, executada há mais de mês por assassinos ainda desconhecidos.
Em “O Distante Latido dos Cães” temos imagens de uma família na zona de guerra entre Ucrânia e Rússia. A “normalização” dos conflitos, com bombas caindo de tempos em tempos, fuga para abrigos, etc., é vista pelos olhos de dois meninos, Oleg e Yarin, que vivem em Donesk, na Ucrânia. Não há discursos, culpabilizações ou análises. Apenas registro de um cotidiano atroz, que às vezes pode ser visto apenas como um jogo por olhares infantis.
“Roubar Rodin”, de Cristóbal Valenzuela, venceu a Competição Latino-americana de longas. “Nome de Batismo – Alice”, de Tila Chitunda, e “Ressonâncias”, de Nicolas Khoury, são os curtas vencedores nas categorias brasileira e internacional, respectivamente. “Ex-Pagé”, de Luiz Bolognesi, ganhou o prêmio da crítica, organizado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Para os críticos, o melhor curta nacional foi “Inconfissões”, de Ana Galizia.
“Ex-Pagé” é espantoso – ótimo que tenha sido distinguido pela crítica. Mostra o caso de Perpera, pagé do povo Paiter Suruí até ser “destituído” pela chegada de uma igreja evangélica à aldeia. Tendo sua função considerada “coisa do diabo” pelo pastor, foi relegado ao cargo de porteiro do templo.
Tudo muda quando uma mulher da aldeia é picada por uma cobra e fica entre a vida e a morte. O ex-pagé, ainda que temporariamente, readquire importância social – sua “eficácia simbólica”, para evocar um artigo célebre de Lévi-Strauss sobre o xamanismo. Um filme de resistência, como definiu seu diretor.