Lázaro Ramos e Clóvis Bueno: produção de R$ 4 milhões. |
Na próxima terça-feira, Paulo Betti, Lázaro Ramos e toda a parafernália de uma grande produção cinematográfica vão mudar a rotina de Paranaguá. Lá, na Rua da Cidade, no museu da Rua do Mercado, numa loja de ferragens e noutra de umbanda acontecem as primeiras gravações de Cafundó – Uma Ficção Sobre João de Camargo, com Ramos à frente do elenco e Paulo Betti estreando na direção ao lado de Clóvis Bueno, que também assina o roteiro.
Trata-se de uma “crônica romanceada” sobre a vida de João de Camargo, escravo liberto, tropeiro e milagreiro que viveu na região de Sorocaba (SP) no final do século XIX e início do século XX. “O Paulo Betti é de Sorocaba, e ele cresceu ouvindo as histórias de João de Camargo”, conta Caio Gullane, co-produtor do filme. “De uns anos para cá, ele teve a idéia de retratar e contar a emocionante história desse personagem num filme, e convidou o Clóvis [Bueno, que já tinha trabalhado com o ator em Lamarca] para produzir o roteiro. O entrosamento foi tão grande que os dois passaram a dividir a direção”.
“Para deslumbrar o espectador é preciso pisar na ferida”, acredita Clóvis Bueno, que participou de algumas das mais importantes produções nacionais dos últimos 20 anos, como Pixote, O Beijo da Mulher-Aranha, Feliz Ano Velho, Orfeu e Carandiru, entre muitas outras. “Cafundó enfocará a religiosidade como expressão do mistério e do inexplicável”, adianta.
Selada a parceria entre Paulo Betti e Clóvis Bueno, a produtora do ator – a Prole de Adão, com sede no Rio de Janeiro – se associou à Gullane Filmes, de São Paulo (Carandiru, Bicho de 7 Cabeças, Castelo Rá-Tim-Bum) e à paranaense LAZ Audiovisual Ltda. (Oriundi) para tocar o projeto.
O Paraná foi cogitado para as locações por possuir cidades preservadas, casarios, mobiliário urbano e objetos de cena típicos do século XIX, como em Paranaguá, Antonina, Castro e na Lapa, “sem falar na natureza maravilhosa e nos cenários magníficos da região de Ponta Grossa”, completa Gullane.
Como Betti já possuía uma amizade com Rubens Gennaro, da LAZ Audiovisual (com quem trabalhou em Oriundi) e contaria com o apoio logístico das prefeituras e do governo do Estado, as locações foram concentradas nessas cidades (principalmente Ponta Grossa) e a produção ficou baseada em Curitiba.
Recursos
Prefeituras e governo vão ajudar com a infra-estrutura, como locais para as bases de produção, banheiros químicos, transporte para atores e figurantes, energia elétrica e outros aspectos de logística. “Até porque nós viemos com a maior parte dos recursos já captada com empresas de fora do Paraná”, ressalta Gullane. O orçamento total de Cafundó é de R$ 3.911.000,00, com captação pelas leis Rouanet e do Audiovisual. “Falta conseguir uns R$ 400 mil, mas estamos batalhando”.
Embora o protagonista seja baiano e o diretor natural de Sorocaba, os paranaenses terão participação maciça na produção. São mais de 60 atores (80% do elenco), 500 figurantes e 40 técnicos na equipe de filmagem, sem falar nos convênios com associações de desempregados e outras entidades comunitárias, principalmente de Ponta Grossa. As filmagens devem se estender até o final de julho, e a estréia está prevista para meados do ano que vem.
Versatilidade e competência
Visto recentemente em duas superproduções – no papel-título de Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz, e como o Ezequiel de Carandiru (2003), de Hector Babenco – e às vésperas do lançamento de mais um longa metragem – O Homem que Copiava, de Jorge Furtado, que chega às telas no dia 13 -, Lázaro Ramos conversou com o Almanaque no último dia 17, quando esteve em Curitiba para a primeira prova de figurino.
Almanaque: Como foi o convite para fazer o João de Camargo?
Lázaro Ramos: Há um ano e meio mais ou menos o Paulo Betti me falou do projeto, e sempre que eu o encontrava ele contava mais alguma coisa. Aí ele me presenteou com um livro sobre o João, e convidou para o papel.
A: Você já conhecia a história do João de Camargo?
LR: Não, conheci pelo livro.
A: E o que achou?
LR: É fascinante, um escravo recém-liberto que cai no mundo, sem nenhum preparo, sem trabalho, e que teria como única opção ir para a guerra [a Revolução Federalista] e acaba fundando uma religião e se torna um líder quase messiânico. Ele não anda sobre as águas nem faz grandes milagres, mas é capaz de curar com uma folha e está sempre disponível para as pessoas. É um exemplo de humildade.
A: Apesar da sua carreira relativamente curta, você ganhou destaque com papéis complexos e absolutamente diversos entre si, como o homossexual “gigante” e invocado Madame Satã ou o presidiário frágil e doente de Carandiru, passando pelo malandro da microssérie Pastores da Noite, da Rede Globo. Qual você gostou mais?
LR: Cada um tem o seu atrativo, eu gosto de desafios, de descobrir essa história não-oficial, como em Madame Satã, ou revelar uma parte desconhecida da nossa identidade e as nuances da vida em lugares como o Carandiru. Mas também gosto muito desse lado cômico, como em Pastores, porque até as mazelas no Brasil são um pouco cômicas, como demonstram programas como o Ratinho.