Filme peruano ‘NN’ monta um quebra-cabeça no Cine Ceará

O Cine Ceará vai chegando ao fim. Faltam ainda algumas exibições, que se completam após o fechamento desta edição. Nesta terça, 23, à noite, no Cine São Luiz, haverá a entrega de prêmios, dos troféus Mucuripe, cujo nome se deve à bela praia de onde saíam os saveiros que encantaram Orson Welles em sua passagem pelo Ceará para filmar It’s All True.

Falta comentar o longa peruano NN, de Héctor Gálvez, de excelente feitura. Um esclarecimento: NN é uma sigla da medicina legal que designa as palavras latinas Non Nomine, aplicadas a corpos que não podem ser reconhecidos ou identificados. No caso, os restos mortais de um homem, morto há 20 anos, foram exumados, mas não reclamados. Como pista, apenas a fotografia de uma garota sorridente, encontrada debaixo de sua camisa. A trajetória de busca da identidade do morto põe em questão várias vidas, em especial a do legista, que atravessa um momento difícil.

Gálvez opta por uma narrativa lacunar, em que as pistas vão sendo apresentadas de maneira muito discreta. Desse modo, a história monta-se como um quebra-cabeças. O que se tem de mais evidente é o clima, soturno, pesado, envolvendo necrotérios e pessoas atormentadas. Algo que remete ao passado político do país, com sua história de violência e intolerância política. Esse clima, Gálvez confessa, talvez seja um tanto exagerado. Em entrevista, ele admitiu que talvez devesse ter feito algo mais leve. Talvez, mas a densidade de construção do filme, sua sobriedade e mistério são, no fundo, o que ele tem de mais interessante.

Também passaram pelo festival concorrentes como Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa (Portugal), e A Obra do Século, de Carlos Machado Quintela (Cuba). São títulos fortes, mas deve-se qualificá-los de modo distinto. Costa é um queridinho dos festivais, um nome consagrado. Com linguagem carregada de simbolismo, ele traz de novo seu personagem habitual, Ventura, cabo-verdiano. Com ele, vêm a tona lembranças e alusões ao passado colonial português. É um filme brilhante e o mais forte candidato aos troféus.

Já A Obra do Século revela um jovem diretor cubano, com sua visão original sobre uma das grandes tragédias econômicas do seu país. A tal “obra do século” era uma gigantesca usina nuclear cuja construção teve de ser interrompida pelo fim da União Soviética, que a financiava. A cidade que a acolhia se tornou fantasma e seus habitantes erram sem propósito e ocupação. Um drama social, tratado aqui com tintas de realismo fantástico – e um duro humor negro.

Em relação aos curtas, a seleção continua muito fraca, uma das piores dos últimos anos. A exceção talvez fique por conta de Quintal, de André Novais Oliveira (MG), que coloca os próprios pais como personagens, como já o fizera em outros trabalhos. Com toques de fantástico, ele acompanha o cotidiano de um casal de idosos. Bastante criativo. E, salve, agradável de se ver.

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