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Filme fala sobre ética ao estudar a relação entre desejo e poder

Sob a ótica do neomoralismo contemporâneo, temas como abuso sexual são abordados de maneira tímida ou cheia de contorcionismos retóricos. Daí a novidade deste dinamarquês Rainha de Copas, da diretora May el-Toukhy, que enfrenta a questão de forma direta e por meio de um paradoxo: como um protetor pode se tornar predador? A história desafia maniqueísmos e alfineta nossa boa consciência.

Anne (Trine Dyrholm) é uma advogada que atua em casos de abusos sexuais cometidos contra menores de idade. Nas primeiras sequências, a vemos atendendo a uma jovem cliente e preparando-a para um julgamento que, ela adverte, será bem duro. O machismo está incrustado mesmo em sociedades mais avançadas. E o advogado da parte contrária tudo fará para transformar o réu em vítima.

A vida tranquila de Anne será abalada quando o filho de um casamento anterior do marido vem morar com eles. Anne é bem casada com um médico e tem duas filhas gêmeas. A chegada de Gustav (Gustav Lindh), jovem problemático de 17 anos, pode ser um fator de instabilidade familiar, mas Anne não pode avaliar o quanto afetará sua própria existência.

Rainha de Copas é um filme sobre paradoxos morais e, portanto, sobre questões éticas. Fala do aspecto transgressivo do desejo, que muitas vezes não vê barreiras legais para se exercer. E também de poder, do conhecimento de causa que leva uma pessoa a se livrar de um crime mesmo que isso custe muito caro aos outros.

Como cinema, Rainha de Copas é muito estimulante. A história se passa num ambiente saído de um cartão postal. As pessoas são lindas e coradas. O mundo é saudável e mesmo os desvios são tratados de maneira humana. Por baixo do verniz civilizatório, as pulsões ardem. E arrastam os personagens, em aparência tão racionais.

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