Noah Baumbach começou a chamar a atenção da crítica há dez anos, com A Lula e a Baleia, mas foi com Frances Ha, sete anos mais tarde, que consolidou seu prestígio. Filho de críticos – o pai e a mãe -, Baumbach absorveu lições da nouvelle vague, o movimento de renovação francês por volta de 1960, sobre autoria e mise-en-scène, e as aplicou no Mumblecore, quando o cinema independente nova-iorquino, depois do 11 de Setembro, assumiu o resmungo como forma de protesto para refletir a realidade dos EUA. O novo filme do diretor estreou na quinta-feira – Enquanto Somos Jovens não apenas é bom como levanta questões polêmicas sobre o próprio cinema.

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Desde o berço, Baumbach acostumou-se a ver os pais conceituarem sobre o cinema, e o cinema de autor. Não admira que se indague tanto sobre a arte dos filmes. Antes de mais nada, o elenco. O espectador que vê o filme sem saber da autoria talvez tenha uma expectativa originada pela presença de Ben Stiller. O próprio Stiller tem pretensões autorais e dirigiu A Vida Secreta de Walter Mitty, mas interpreta um tipo de comédia que tem estourado na bilheteria pela facilidade de comunicação e pelo tom derrisório como aborda relacionamentos. Algo se passa na tela, e o espectador, mesmo o mais distraído, percebe que não está vendo o mesmo Ben Stiller. O espírito agora é outro. A liberdade do diálogo e a movimentação da câmera prenunciam outra coisa.

Na trama, Stiller é casado com Naomi Watts. Eles não têm filhos, e isso vai ser importante. Stiller é cineasta – há dez anos (dez!) está enrolado com um documentário que não consegue finalizar. Para complicar, o pai de Naomi é um famoso documentarista que está para receber um prêmio pelo conjunto da obra. Stiller não se dá bem com o sogro, que tenta lhe dar conselhos sobre o filme encalhado (e ele rejeita). É nesse quadro que se aproxima da dupla um casal jovem – Adam Driver e a mulher. Ele também é cineasta, e se utiliza de Stiller (e até do sogro dele) para fazer seu filme. Incomodado, Stiller descobre duas ou três coisas sobre o ‘método’ de Adam, a forma como ele manipula a realidade. Stiller resolve desmascará-lo exatamente no contexto da festa de premiação do sogro, que acaba de fazer um discurso sobre a ética do documentário.

Cria-se a confusão porque, mesmo que Adam tenha atropelado a ética, seu filme é muito bom, ou assim parece para Naomi e seu pai. Nos EUA, a estreia de Enquanto Somos Jovens coincidiu com a morte de Albert Maysles, notório documentarista, um dos mais respeitados do país. Em dupla com o irmão David, Albert fez filmes como Salesman e Grey Gardens, que se tornaram referências no campo do cinema direto. Os irmãos Maysles acreditavam que filmar era mais importante que planejar. Dentro desse princípio, fizeram o definitivo Gimme Shelter, que deveria ser sobre o concerto dos Rolling Stones em Altamont e terminou sendo sobre o fim de uma era, quando a celebração de paz e amor, invadida por punks e easy riders, degenerou em caos e morte.

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No Brasil, é conhecido o caso de Eduardo Coutinho, que se recusava a montar as entrevistas para seus filmes fora da ordem cronológica, em busca, por exemplo, do efeito dramático e do gran finale. É essa ética – da arte e do documentário – que Adam atropela. O problema, reflete Baumbach, é que ética e qualidade não andam necessariamente juntas e só ao cortar o que considerava essencial no próprio filme Stiller ganha a admiração do sogro. Mesmo com o pé no real, o documentário é filme. É um tema importante, mas a essência é o abismo geracional.

Stiller e Naomi deixam-se levar pelo casal jovem. Vão precisar reassumir, e Stiller grita isso, que são ‘velhos’. O filme termina com o espanto do casal, e de Baumbach, perante um bebê que já manipula o computador. Mais que mágoa de velho, é a convicção do diretor de que a nova geração, que acha que reinventa o mundo, não pode ser imune à ética.

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.