São Paulo – Em festivais tão distintos quanto Locarno e São Francisco e no German Film Award, a reação do público foi sempre a mesma – O Milagre de Berna foi o filme mais votado pela massa de espectadores. No Bavarian Film Award, a premiação veio dos críticos, e o filme que estréia amanhã ganhou dois troféus – melhor direção e melhor atriz. O diretor é Sönke Wortmann, a atriz, Johanna Gatsdorf. Você não precisa ser fã de futebol para apreciar as qualidades desse filme um tanto sentimental, mas simpático e humano. Tudo bem – os fãs de esportes vão gostar mais. Mas O Milagre de Berna pode ser considerado, ele mesmo, um pequeno milagre. O filme é bom.
Na Alemanha, costuma-se dizer que há dois eventos que se tornaram memoráveis para as pessoas que os viveram – um foi a queda do Muro de Berlim, unindo as duas metades, uma capitalista à outra, comunista, em que a cidade fora dividida após a 2.ª Guerra Mundial. A outra foi a surpreendente vitória da seleção da Alemanha na final da Copa do Mundo de 1954, em Berna, na Suíça. A seleção alemã enfrentava pela segunda vez a da Hungria. No primeiro jogo, foi batida por 8 a 3. No segundo, começou perdendo por 2 a 0, mas o time conseguiu virar o jogo e a partida terminou 3 a 2 e a Alemanha foi campeã do mundo.
Só pode ter sido uma milagre, diz a voz popular, que fez com que uma seleção desacreditada desse a volta por cima e terminasse consagrada como a melhor do mundo. Para o diretor Sönke Wortmann, porém, o milagre foi outro e é o que lhe permite construir uma metáfora sobre a Alemanha no pós-guerra. Você tem todos os motivos para acreditar que Milagre em Berna, afinal de contas, foi feito para celebrar o orgulho nacional alemão, que é um filme para desenvolver a auto-estima nacional – do tipo ?como somos bons? -; difícil é não ser tocado pela trama familiar que se constitui no verdadeiro milagre da história.
Filmes ufanistas são sempre difíceis de avaliar. Mal comparando, Independência ou Morte!, de Carlos Coimbra, carregou no Brasil, durante anos, a fama de ter sido feito para fortalecer o sentimento patriótico da nação, em torno da ditadura no poder, na época.
Ninguém se preocupou em analisar o filme e hoje as pessoas descobrem que o filme ufanista de Coimbra, na verdade, é crítico e até desmistificador em relação ao herói Dom Pedro I.
Milagre em Berna também parece ufanista – os húngaros, com certeza, vão detestá-lo -, mas o mérito da direção foi construir sua história pelo ângulo do menino. Ele se chama Matthias e, quando o filme começa, é profundamente ligado a um jogador que poderá ir para a seleção. Logo nas primeiras cenas, o atleta diz ao menino que ele é seu mascote. "Nunca perco um jogo se você está presente."
O jogador é uma espécie de pai substituto de Matthias, já que o pai biológico é prisioneiro de guerra na União Soviética. A família une-se em torno da mãe. A volta do pai ameaça desestruturar o grupo familiar. Esse homem amargurado, que ficou 12 anos distante, na Sibéria, não sabe lidar com a mulher, nem com os filhos, especialmente o caçula, que é Matthias. Não aceita – não tenta entender – a paixão do garoto pelo futebol. E vai perdendo o respeito de todos até perceber qual é, na verdade, o seu papel naquela família.