Filho mais velho de João Gilberto, de seu relacionamento com a cantora Astrud Gilberto, o baixista e produtor carioca João Marcelo Gilberto, de 58 anos, vive em Nova Jersey, nos EUA – país para onde se mudou com a mãe ainda criança. Casado com Adriana Magalhães, é pai de duas filhas, Katryna, de 26, e Sofia, de 3, e tem uma enteada, Alice, de 17. Aliás, na página do Facebook de Sofia é que foi possível acompanhar as últimas imagens de João Gilberto, que morreu no dia 6 de julho. Quase quatro meses após a partida do cantor, João Marcelo diz, ao jornal O Estado de S. Paulo, que ainda não conseguiu ter acesso, por exemplo, ao testamento de seu pai ou aos detalhes de suas finanças. Leia a seguir trechos da entrevista feita por e-mail.
Como era relação com seu pai?
Sempre foi de muito amor e carinho. Tinha contato constante com meu pai quando ele vinha aos EUA ou quando eu ia ao Rio. Meu pai também morou nos EUA por um tempo, cerca de uma década, e morei um tempo em criança no Leme, Rio, períodos em que ficamos bem próximos. Recentemente, ele conseguiu um apartamento em Ipanema pra eu morar no Rio, queria que eu ficasse um tempo próximo. Ele sentia que estava frágil e ameaçado por pessoas próximas a ele naquele momento. Passei praticamente 3 anos no Rio, mas tive que voltar aos EUA para resolver umas coisas antes de retornar novamente ao Rio. Meu pai atualmente me ligava e dizia: meu filho, quero que você coordene tudo da minha vida. Falava sempre do amor que sentia por mim e dizia que queria vir para ficar comigo, com as netas e com Astrud aqui nos EUA. Ele falava: estou indo ‘praí’ meu filho, me espera.
Quem são essas pessoas pelas quais ele se sentia ameaçado?
As pessoas que “tentavam administrar” sua vida.
Você nunca pensou em se mudar para o Brasil quando a saúde de seu pai se mostrou frágil?
Como disse, passei alguns anos morando no Brasil recentemente, mas tive que voltar para cuidar de algumas coisas aqui nos EUA. Minha vontade e a de meu pai era que ele viesse para estar aqui com a nossa família, para isso construí uma suíte para ele em minha casa. Mas infelizmente não pudemos concretizar esse sonho. Não posso contar os reais motivos desse impedimento, pois tenho uma gag order (ordem da mordaça) contra mim nesse momento, em que não posso falar livremente pra imprensa. Estou impedido de contar minha própria história de vida.
Nos últimos dias de vida de seu pai, vocês postaram fotos dele com Maria do Céu. Como era a relação dela com João?
Maria do Céu cuidou do meu pai no último ano de vida dele, mesmo que muitas vezes não cooperasse para um ambiente de paz. Ela só foi para a casa dele porque perdeu seu apartamento. Postamos imagens carinhosas de família, inclusive meu pai gostou muito e estava ciente de tudo. Maria nos apoiou por aparecer em fotos melhorando a imagem dela aos olhos do público. Nós e o advogado a apoiamos nesse sentido para tentar melhorar a imagem dela e ela estava feliz e solidária com isso. Meu pai pagava as contas para ela, mas nunca quis assumi-la como esposa ou companheira, sempre deixou isso muito claro para os filhos. Passei alguns anos no Brasil recentemente, indo e vindo, e eu ia muito na casa do meu pai e ele vinha na nossa casa, e ele sozinho, sem estar acompanhado por qualquer uma de seus relacionamentos. No único testamento que meu pai fez, ele fez questão de deixar claro que não tinha união estável com ninguém. Maria pediu recentemente para eu e Adriana assinarmos cartas para ela tentar conseguir uma união estável e acabamos fazendo, apesar de isso não ter sido a vontade do meu pai. Fiz somente porque havia pessoas tentando afastá-la dele naquele momento, para poder tirar meu pai de seu apartamento, e achei que Maria poderia ajudar para que isso não acontecesse. Naquele momento, a coisa mais importante para mim era manter meu pai em sua própria casa. Juridicamente, Astrud é viúva do meu pai, pois nunca se divorciaram.
Por que você não conseguiu ir ao velório de seu pai?
Por questões burocráticas, não tinha vontade de encontrar com algumas pessoas que estariam lá, mas falei com meu pai minutos antes de sua morte e diariamente até esse momento, e falamos coisas essenciais, de muito amor, isso pra mim é o que importa.
Surgiram notícias de que, já durante o velório, houve pedido de gestão do inventário por parte de Bebel e Maria do Céu. Como ficou essa situação?
Como disse, não posso falar abertamente por estar impedido, mas duas pessoas deram entrada pra ser inventariantes ainda durante o velório. Soube que, no pedido de inventário, que foi dado entrada durante o velório, por maldade escreveram no pedido que eu não poderia ser inventariante porque não tinha uma boa relação com meu pai. Sempre disseram, na interdição de meu pai, e agora no seu inventário que está em andamento, mentiras maldosas com o intuito de me excluir. Já Maria assinou papéis com os advogados literalmente durante a cerimônia do velório, em pleno Theatro Municipal. Achei particularmente de mau gosto, mas o importante agora é cuidar da imagem do meu pai e de sua obra.
Como está o acervo pessoal que ele mantinha no apartamento?
Gostaria muito que um de seus violões ficasse com minha filha Sofia, que mostra interesse pelo instrumento, mas acho que um bom lugar para estarem é no Museu da Imagem e do Som do Rio, assim como a pulseira que não saía de seu braço. Fiquei sabendo que seu Grammy assim como outros pertences dele foram colocados secretamente, sem permissão dele nem de seus filhos, em um guarda-móveis. Isso tem que ser resgatado urgentemente e preservado.
Como está a questão do testamento? Maria do Céu foi excluída?
Meu advogado tenta notícias sobre tudo e não consegue, mas imagino que sim. Continuam dificultando as informações.
Você acha que em algum momento você e suas meias-irmãs poderão se conciliar?
Sempre desejei uma boa relação com todos, mas fui intencionalmente excluído. E nunca foi me apresentado um exame de DNA da Luisa (filha de Claudia Faissol). Fiquei sabendo recentemente que, por causa da hérnia que meu pai tinha, dificilmente ele poderia ter tido mais filhos, mesmo na época do nascimento da Luisa. A história que me foi contada foi que o pai anterior da Luisa, quando ela tinha cerca de 3 anos, pediu um DNA para ver se ela era mesmo filha dele e foi descoberto que não era. Por que meu pai também não pode ter sido enganado como foi com outros assuntos profissionais? Fica a dúvida, mas não é tarde para comprovarmos.
Bebel entrou judicialmente contra você? Por qual motivo?
O absurdo é que com esses processos ela tenta tirar meu direito de contar minha própria história. Os processos contra mim têm o intuito de eu não poder falar livremente com a imprensa, com isso não posso contextualizar as histórias da minha própria vida com meu pai. Eu poderia ter feito o mesmo, ou seja, entrando com processos contra ela, para poder impedi-la de falar na imprensa também, mas não o fiz por não ser meu estilo.
Como está o processo movido contra a Universal, antiga EMI?
Esse caso vai ter que ser revisto e estou juntando um time para ver a melhor forma de fazer isso. Meu pai sempre teve confiança em mim como consultor técnico de som dele. Adotei cedo tecnologias de áudio digital, sendo capaz de fazer o laudo técnico e a análise científica de áudio que provou definitivamente a remasterização e ganhou o processo contra a EMI. Gostaria de terminar bem essa negociação com a EMI e liberar esses trabalhos novamente para o público, com a qualidade que meu pai desejava.
Como foram os últimos dias de vida de seu pai?
Meu pai passou a vida sem querer ir a médicos. Uma pessoa deve ter a soberania do próprio corpo e ter permissão para recusar o tratamento, se for seu desejo. Era o seu modo em toda sua vida. Ele gastou um de seus últimos dias de vida tendo que fazer, contra a vontade dele e a minha, um exame de sanidade mental que o deixou muito triste. Eu nunca disse que queria ter controle total sobre os assuntos do meu pai, mas gostaria de ter sido ouvido. Nos seus últimos meses de vida, Sofia ia pra casa dele quase que diariamente, o que lhe trouxe um pouco de alegria e amor. Fico feliz com isso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.