Filho de Cássia Eller integra nova MPB

Ela canta com uma densidade rara de se ouvir na sua idade. Ele compõe com lirismo e eloquência. Júlia Vargas, de 26 anos, e Chico Chico, de 21, têm trabalhos independentes e poéticas particulares. Os shows conjuntos que vêm fazendo no Beco das Garrafas reúnem o melhor de cada um. “Tem gente que vai ao show porque conhece a Júlia e lá descobre que o Chico é um supercompositor. E os que vão pela curiosidade em relação ao Chico, e veem que a Júlia é uma cantora maravilhosa”, acredita o violonista Rodrigo Garcia, que os ladeia no palco e assina a direção musical.

O interesse por Chico a que Garcia se refere é pelo fato de ele ser Francisco Ribeiro Eller, filho único de Cássia Eller (1962-2001). As semelhanças físicas e no jeito de cantar e o temperamento tímido como o da mãe vêm sendo ressaltados desde que ele começou a se apresentar em público, em espaços pequenos da zona sul do Rio, e crescem agora, com o lançamento do primeiro CD da 2×0 Vargem Alta, banda da qual é compositor, vocalista e violonista.

Chico prefere que o foco seja a música, afinal, é dela, e dos encontros pessoais em torno dela, que o estudante de Geografia parece extrair mais alegria e deleite. “Entendo a curiosidade, e também teria. Mas me incomoda. Não era para eu estar dando essa entrevista, tem tanta gente boa fazendo música por aí… Era para ser só a Júlia”, ele diz. “É muito nítido para mim por que essas coisas acontecem. Eu sou filho dela, mas não é o que eu procuro. Não é legal quando o espaço que você tem é por causa da sua mãe. É como estar numa festa para a qual você não foi convidado.”

Garcia também se inquieta com esse tipo de atenção, e principalmente com as comparações injustas: “Conheço as vozes da Cássia e do Chico a fundo, e não acho que se pareçam. Fora que ela com 40 anos não compunha como ele, e cantava mil vezes mais. Tem que parar com esse papo!”. Foi Cássia quem uniu Chico e Garcia, indelevelmente, e foi o violonista quem apresentou Chico a Júlia, quatro anos atrás. O músico, que tocaria com ela de 1997 até o fim da vida, e participou de três de seus CDs, conhecera Cássia um ano antes de o filho nascer. Na maternidade, lá estava ele, que seria nomeado padrinho.

“Eu e o Chico sempre ouvimos muito som juntos. Fui vendo ele descobrindo as coisas, e depois veio essa safra de músicas boas”, conta Garcia, com orgulho, mas sem condescendência. “A Júlia eu conheci quando ela fez teste para a banda que eu acompanhava, a Nó Cego. Era tão boa que eu falei: ‘esquece essa banda toda bagunçada, vai ter sua carreira!’.”

Chico começou a compor não faz muito tempo, mas sempre gostou de escrever. Desde os 15 anos, teve banda. Tem 20 músicas compostas, e dez (uma, com o parceiro Kadu Mota) estão no CD do 2×0 Vargem Alta, produzido por Garcia e com participação de Júlia. O nome do grupo faz alusão a uma gíria de São Pedro da Serra, localidade bucólica da Região Serrana do Rio onde fica o sítio onde Garcia mora, e frequentada por Chico desde criança.

Nos shows no Beco das Garrafas, para cerca de 60 pessoas, a plateia já cantarola versos como os de Notas de Cem: “Já sabemos muito bem, meu bem/ dos segredos escondidos nas notas de cem/ Já sabemos muito bem, meu bem/ Quem um dia teve amor hoje não vive sem/ E das duas, uma/ Ou você me acaba, ou você me arruma”.

Minha Voz também é destaque do show (“A minha voz sendo amplificada/ Mal gravada, desafinada e mal dizida/ A minha palavra de aço/ Dessoldada, desdobrada, enferrujada e carcomida/ Feito carne envelhecida, ultrapassada e fora de medida/ Feito as coisas dessa vida, ultrapassagem em hora proibida”). As Folhas da Praça Paris toca no rádio (“Eu não sei dizer da inveja que eu sinto/ Dessas folhas que caem em teu colo/ Na Praça Paris/ Que era o meu lugar/ Lugar de ser feliz”).

Era pra ser um mês de apresentações no Beco, que virou três. Nos dois próximos domingos, o trio estará na Casa de Cultura Laura Alvim. Para breve está marcado o lançamento do CD do 2×0 Vargem Alta, no Circo Voador. “Dá medo” migrar para um lugar maior, confessa Chico. “Mas não é só a gente”, ele emenda. No palco, estarão outras apostas do recém-criado selo Porangaraté, capitaneado por eles, e pelo qual, no mês passado, saiu o CD Segredo, com gravações caseiras feitas por Cássia Eller em 1983: Júlia, Terezina 12, Giras Gerais.

Júlia vai festejar o DVD que gravou no Teatro Municipal de Niterói – cidade para onde se deslocou ao deixar sua terra natal, o balneário turístico de Cabo Frio. O repertório se baseia em seu primeiro CD, de 2012, e tem inédita de Ivan Lins, que se encantou pela potência de sua interpretação, e declarou que Júlia “poderá se tornar uma das mais fortes presenças desta nova geração de cantoras”. Milton Nascimento também avaliza a jovem, e a convidou a participar de shows seus. “Júlia ainda vai dar o que falar”, ele profetizou.

“Gosto de visitar territórios diferentes, a herança africana de Miriam Makeba (sul-africana), as canções de Cátia de França (da Paraíba) e de Claos Mózi (de Niterói)”, conta Júlia. “É legal não saber onde a onda vai bater.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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