Paraty (AE) – Ex-militante de extrema esquerda durante as barricadas de Paris, em 1968, Olivier Rolin tem bons motivos para desconfiar que sem a ficção é impossível entender o significado da história, o que o levou a relatar sua experiência não como historiador, mas ficcionista, em Tigre de papel. Ontem, ao participar com o brasileiro Luiz Antonio de Assis Brasil e do peruano Alonso Cueto de uma mesa sobre o tema ?Prosa, política e história??, na 4.ª Festa Literária Internacional de Paraty, Rolin, a exemplo de seus interlocutores voltou a destacar o papel da narrativa ficcional como uma invenção capaz de dar conta da ambigüidade de nossa experiência existencial. Cueto foi além: lembrou que Ricardo III pode não ter sido tão mau quanto Shakespeare o descreveu em sua peça, mas talvez não se soubesse tanto sobre sua época se o bardo não tivesse cometido exageros que historiadores certamente repudiariam.
Isso explica, em parte, o cruzamento híbrido entre ficção e realidade, que resultou no advento do new journalism de Lillian Ross, Truman Capote e Tom Wolfe. Para explicar esse fenômeno, em que histórias pessoais se cruzam com histórias de uma região ou mesmo de uma nação, Rolin recorreu a uma célebre frase do poeta conterrâneo Paul Valéry: ?Os homens não podem viver sua vida se não puderem viver a dos outros?. O dever moral de um escritor, portanto, segundo o escritor francês, ?é o de falar de seu tempo, para que essa experiência humana não se perca?.
O peruano Alonso Cueto considera essa ?responsabilidade? um peso acima do normal. Acrescenta que a função do escritor é a de ?destacar as zonas ocultas da sociedade, fazê-la confrontar a miséria que quer esquecer?. Os jornais, critica Cueto, começam a negligenciar essas ?zonas esquecidas??, transferindo aos ficcionistas a missão de registrar essas vidas minúsculas que passariam em branco pelas páginas da história. Essa é a principal razão de ter escrito A hora azul, em que o protagonista, um advogado bem-sucedido, é levado a investigar o passado de seu pai na guerra contra o terrorismo peruano do Sendero Luminoso, descobrindo seu envolvimento com uma mulher de uma categoria social mais baixa, uma ?anônima? para os historiadores.
Se os historiadores mudam sua estratégia para se adaptar à concorrência do new journalism, isso não significa que a história esteja condenada, observou o escritor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, autor do romance histórico A margem imóvel do rio. A experiência individual, enfatiza, sempre reflete a coletiva. O leitor antigo, diz, ?nunca se interrogou se a Ilíada ou Eneida eram ou não história, pergunta que só começou a ser feita com o advento do positivismo?. Um historiador, concluiu Rolin, é incapaz de explicar por que alguém integrou, por exemplo, a Resistência Francesa. ?Pode-se fazer a guerra pelas razões mais secretas, pessoais e obscuras. Portanto, é impossível ser imparcial e objetivo quando se conta uma história.?