Antes mesmo de falar sobre seu filme Deus É Mulher e Seu Nome É Petúnia, a diretora Teona Strugar Mitevska, numa entrevista por telefone de Bruxelas, vai logo contando para o repórter: “O ritual que serve de ponto de partida não ocorre só na Macedônia, mas é comum a todos os antigos países do Leste Europeu em que a Igreja Ortodoxa é forte. Todo ano, em 19 de janeiro, o pároco de todas as cidades em que existe rio lança uma cruz nas águas e os homens disputam entre si o privilégio de quem será o primeiro a encontrá-la. Nunca pensei que isso poderia resultar num filme, e menos ainda que fosse eu a fazê-lo. Mas há alguns anos li a história dessa mulher que desafiou a tradição, lançou-se à água e quebrou o que até então era um privilégio masculino. Comecei a pensar que seria uma interessante forma de debater a questão do machismo na Macedônia.”
O que Teona logo descobriu é que essa história tinha muito mais camadas – ou era mais complicada – do que parecia. “A primeira preocupação foi tentar localizar a protagonista real da história, mas descobri que a pressão que ela sofreu na realidade foi tão forte que abandonou o país com a família, refugiando-se na Inglaterra sob um nome falso. Nunca consegui encontrá-la, o que, de certa forma, foi ótimo. Liberou-me para ficcionalizar a história. Foi o que fiz.” Na trama do filme que estreou na quinta-feira, 26, Petúnia, solteira (com mais de 30 anos), gordinha e desempregada, está longe de ser o ideal de filha sonhado por sua mãe.
Instintivamente, ao se lançar no rio e pegar a cruz, ela cria para si o inferno. Igreja, polícia, a própria família, todo mundo a pressiona a devolver a cruz, mas Petúnia, convencida de que foi melhor e mais rápida que qualquer homem, não quer abrir de sua vitória. Compra uma briga de proporções épicas que vai mudar sua vida.
“Já ouvi que minha história é exagerada, mas quando comecei a pesquisar descobri que nenhum exagero conseguiria dar conta do que ocorreu na realidade”, reflete Teona. “A Macedônia fazia parte da antiga Iugoslávia. A morte de Tito e as guerras da Bósnia e de Kosovo mudaram toda a geopolítica da área. O que não mudou foi a mentalidade machista. A Guerra da Bósnia foi marcada pela violência contra as mulheres. O estupro era imposto às mulheres das populações derrotadas. Um horror. Queria refletir sobre a violência imposta sobre as mulheres sem abordar diretamente o assunto. Esse episódio revelou-se perfeito. O filme repercutiu, passou no Festival de Berlim, em fevereiro. Tem sido muito importante levantar e sustentar essa polêmica sobre nosso papel (das mulheres) no mundo.”
Pelo menos no Brasil, muitos críticos reclamaram que o filme se perde no acúmulo de camadas. Querendo abordar muita coisa, muitos temas – tradição vs. modernidade, machismo, feminismo, religião, mídia, crise econômica -, Teona não consegue dar conta de tudo. “Sei bem que não é função da arte resolver problemas nem encarei minha história com esse objetivo. Queria dar conta de algo que foi, e é real. Todos esses elementos estão representados na trama porque, de alguma forma, fizeram parte da história original. Pelo que estou entendendo, você não comunga dessa ideia, mas o que deveria fazer para satisfazer seus colegas críticos – me concentrar no tema da tradição, na questão religiosa? Mas, e Petúnia? Que tipo de mulher seria? Avise aos seus colegas que a vida não é simples, e que o cinema não tem a função de fechar todas as histórias que aborda.”
Sobre a atriz que faz o papel, Zorica Nosheva. “Fiz casting e terminei selecionando Zorica oito meses antes de filmar. Tivemos bastante tempo de preparação, e se eu tivesse alguma dúvida, por ela ser principiante, Zorica me surpreendeu.” Houve muita improvisação? “O filme pronto está muito próximo daquilo que era no papel. Os diálogos, as intenções. A montagem foi decisiva por uma questão de ritmo, mas quase tudo já estava no roteiro. Filmar com atores e atrizes foi dar rosto aos personagens.”
Com a irmã atriz (Labina) e o irmão realizador de animação (Vuk), Teona fundou a Sisters and Brothers Mitevska Production, com sede na Bélgica. O repórter informa que há um curta brasileiro, Alfazema, interpretado pela atriz Elisa Lucinda, em que Deus é mulher, e negra. Também há um CD, Deus É Mulher, de uma grande cantora negra, Elsa Soares. “Não vi nem ouvi, mas espero que sejam bons, pois já gostei”, Teona acrescenta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.