Festival de teatro entra na segunda semana

Ainda que cerca de 20 espetáculos tenham sido cancelados na primeira semana do Fringe, a mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba que começou na quinta, restam ainda mais de 160 na programação desta 14.ª edição que só termina no domingo. Se a qualidade andou escassa nos primeiros cinco dias de Fringe, existe a expectativa de que isso mude a partir de hoje, com a chegada de novos grupos à cidade. De qualquer forma, o boca a boca já começa a dar conta de trabalhos interessantes. Nem sempre é fácil conciliar horários e dar sorte de ?pescá-los? em meio a tão vasta oferta. Para se ter idéia, ontem, em plena segunda-feira, havia 75 montagens do Fringe na cidade, distribuídas por diversos teatros com sessões desde as 11h até meia-noite.

E há de tudo, desde o equívoco absoluto, que parece nascido do encontro entre a dificuldade de interpretação de um texto com a pretensão de fazer uma ?releitura? sobre o que não se compreendeu, como é o caso de uma montagem curitibana de O Urso, de Chekhov, dirigida por João Paulo Godinho. Nesse espetáculo, a jovem e bonita viúva reclusa que se apaixona por um fazendeiro que vem cobrar um dívida do finado marido é retratada num primeiro momento como uma velha horrenda de chinelos, depois como uma dançarina de rodeio, botas, saias curtíssimas, língua sinuosa de suposta sensualidade. São muitos os equívocos dessa montagem que torna incompreensível o delicioso texto do autor russo.

Por outro lado, vem arrancando aplausos entusiasmados o também curitibano Metamorphosis, adaptação teatral do conto homônimo de Franz Kafka. Edson Bueno assina dramaturgia e direção. Logo na primeira cena, em que o protagonista, deitado na sua cama, esforça-se por levantar e é chamado por pai, mãe e empregada, vê-se que se está diante da criação de alguém que conhece o métier teatral. A cenografia reproduz sala e quarto de forma realista, porém teatral, sem mimetismos. No centro do palco, um tablado preto delimita o quarto, sem paredes, de forma que toda a movimentação – precisa, elaborada e muito bem marcada – gire em torno do rapaz transformado em barata.

A intervenção de dois narradores, que interagem com o protagonista, escapando da tradicional conversa direta com o público, ajuda a conduzir a trama. Mas não é recurso único e a história nos é contada também por meio da ação de toda a família. O diretor opta por traços farsescos, aqui e ali, que podem causar estranhamento, mas são criados com muita inteligência de forma a acentuar a tragicomédia, sem nem ao menos tangenciar o escracho. Desnecessário, nessa criação, o constante tom choroso na voz do protagonista, uma vez que seu sofrimento está claro. Mas os senões são detalhes nessa montagem de qualidade, que seguirá em cartaz na cidade, após o festival.

Na linha oposta, bem amadora, chama atenção positivamente pela energia e força juvenil o espetáculo Pixei e Saí Correndo, com 12 jovens do grupo Teatro Épico, de Mogi-Mirim (SP), dirigido por Robson Carlos Haderchpek. O elenco usa elementos de hip-hop para fazer a ligação entre cenas que recriam flagrantes do cotidiano. Há algumas bem resolvidas, como a do repórter que faz uma matéria na Febem, uma das poucas a ir além do simples retrato e a criar uma trama a partir da realidade de forma a provocar uma reflexão.

Certamente, essa era a intenção de outras cenas, muito frágeis, desde a dramaturgia até a interpretação, como a das trabalhadoras numa fábrica. Mas muito claramente estamos diante de um grupo de jovens com uma forte inquietação, desejo de expressá-la por meio do teatro e, parece, disposição para trabalhar. É torcer para que vá adiante. O título Só as gordas são felizes remete imediatamente a uma comédia tola sobre regimes, ginásticas, cirurgias plásticas e drogas permitidas. Pois esses temas tratados numa cena bizarra e pelo filtro da perversão em montagem paulistana, que tem texto e direção de Celso Cruz, participa do Fringe e deve estar em breve em cartaz em São Paulo.

Embora ainda precisando de ajustes, a montagem torna-se muito interessante por conseguir a proeza de eliminar a banalização que parece colar-se irremediavelmente a esse universo, ao retratá-lo sob o ponto de vista de dois médicos assassinos. A partir de hoje, autores como Pirandello, Brecht e Shakespeare ganham os palcos do Fringe.

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