Os troféus Candango serão entregues nesta terça-feira, 27, à noite no Cine Brasília aos vencedores da 49ª edição do mais antigo festival de cinema do País. Há favoritos? Sim, claro, os favoritos do crítico que escreve estas linhas. Quanto ao júri, só Deus sabe quem vai premiar. Mesmo porque talvez seja mesmo difícil apontar favoritos disparados numa mostra que se caracterizou por certo equilíbrio. Vale também dizer que este texto foi redigido antes da apresentação dos últimos concorrentes – o longa Deserto, de Guilherme Weber, e o curta Os Cuidados que se Tem com o Cuidado que os Outros Devem Ter Consigo Mesmos, de Gustavo Vinagre. Antes da premiação, será apresentado o longa Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, que venceu o festival 20 anos atrás.

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Dito isso, é preciso reconhecer que existe um bom número de filmes “premiáveis”. Nenhum deles, provavelmente, é mais importante que Martírio, um desses filmes ditos definitivos sobre a questão indígena brasileira. É uma espécie de depuração da obra de toda a vida de Vincent Carelli, sempre dedicada ao tema a partir do coletivo Vídeo nas Aldeias. Assim como já tinha sido o caso do doc anterior de Carelli, Corumbiara, também Martírio avança nesse terreno, contextualizando-o e levantamos suas raízes históricas. Soubemos que ele prepara novo longa, que será o fecho da trilogia dedicada ao genocídio indígena no País. Se o júri irá reconhecer essa importância, não se sabe. Mas acho difícil que Martírio saia de Brasília sem algum prêmio importante. Merece, até agora, o troféu principal.

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Há outros concorrentes dignos de prêmios. Por exemplo, chamou a atenção a leveza narrativa de A Cidade onde Envelheço, de Marilia Rocha, sobre as experiências de duas jovens portugueses em Belo Horizonte.

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O “faroeste” gaúcho Rifle, de Davi Pretto, com seu andamento particular é uma visão original sobre o conflito de terras. Sua força está na linguagem cinematográfica alusiva, porosa, explorando os espaços vazios como elemento expressivo.

Elon Não Acredita na Morte, de Ricardo Alves Jr., aposta na questão do enlouquecimento da paixão e trabalha muito com a câmera na mão, numa narrativa por vezes envolvente.

Vinte Anos, de Alice Andrade, volta a Cuba para registrar como em duas décadas se altera o cotidiano de três casais filmados duas décadas antes pela diretora. As dificuldades, a sensação de sonho socialista acabado, mas tudo tratado com delicada sutileza, tudo está neste lindo filme, tão triste quanto terno. É o registro do fim de uma era, substituída por outra que ninguém sabe o que será.

Antes o Tempo não Acabava, dos amazonenses Sérgio Andrade e Fábio Baldo, retoma a questão indígena, tão presente neste festival, agora sob a forma de ficção. Fala de Anderson, um índio que deixa sua aldeia para viver em Manaus. No debate, o filme foi massacrado por um grupo de antropólogas, que questionaram a crítica às tradições supostamente conservadoras dos indígenas e a visão da cidade como alternativas mais promissora. Seria o ponto de vista “branco” sobre realidade indígena, com sua carga de preconceitos e autoritarismo. Independente disso, o filme tem qualidades.

Entre os curtas, o mineiro Constelações, de Maurilio Martins, parece o mais bem construído, pelo menos até agora. Os monólogos do casal, um falando em português, outra em dinamarquês, o drama de fundo que entra aos pouquinhos na cena principal e um desfecho de fato impactante marcaram a presença deste filme no festival.

O Delírio é a Redenção dos Aflitos, do pernambucano Fellipe Fernandes, também tem qualidades. Narra o desespero de uma mãe (Nash Laila) que precisa se mudar com o filho pequeno de um edifício prestes a desabar.

Procura-se Irenice, do paulista Thiago B. Mendonça, resgata uma figura do passado, a atleta Irenice Maria Rodrigues, perseguida no tempo da ditadura. Um trabalho de prospecção, responsabilidade histórica e invenção narrativa. Muito bom.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.