No começo dos anos 2000, quando Fernando Meirelles filmou O Jardineiro Fiel no Quênia, Wangari Muta Muthaai estava em plena campanha, por meio do seu Green Belt Movement, em prol do plantio de árvores, da defesa do meio ambiente e dos direitos das mulheres. Wangari ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2004 e morreu em 2011. Meirelles para e pensa, antes de responder à pergunta do repórter. Até que ponto sua experiência africana foi decisiva para que ele próprio se transformasse em ativista ambiental, além de produtor de The Great Green Wall? “Nunca pensei nesses termos, mas é possível, sim, que as coisas estejam ligadas.”
Meirelles conversa com o repórter na sede da O2, na Vila Leopoldina. Há minutos acabou uma sessão privada do documentário de Jared P. Scott que vai encerrar a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Antes disso, The Great Green Wall passa na mostra Giornatte degli Autori, do Festival de Veneza. Meirelles abriu mão de Veneza, mas está em Telluride e, na sequência, seguirá para Toronto, que recebem seu longa da Netflix, The Two Popes. Os Dois Papas também estará na Mostra de São Paulo. Uma discussão sobre a fé. Dois papas – Bento XVI e Francisco. Dois homens de cultura e erudição, devorados pela culpa. Francisco, a de uma morte durante a ditadura militar argentina. Bento, a de não ter levado adiante as denúncias de pedofilia na Igreja Católica, que estacionaram na mesa de seu escritório, durante o pontificado de João Paulo II.
“Quando me propuseram o filme, achei que poderia ser chato e até descartei de cara”, conta Meirelles. “Dois velhos discutindo questões de fé. Quem se interessaria? Mas aí eu li o roteiro e fiquei fascinado pelo alto nível do diálogo. Agora, você imagine esse texto dito por dois atores como Anthony Hopkins e Jonathan Pryce. O Pryce, inclusive, foi considerado melhor numa avaliação que fizemos, de público, em Los Angeles.” E ele arremata: “Filmamos em locações, na Argentina e na Itália e, como o Vaticano não nos permitiu filmar em seus domínios, a Capela Sistina foi reconstituída em estúdio. É um trabalho de imenso detalhismo, você vai ver.” E A Grande Muralha Verde? “Esse filme nasceu de uma série de coincidências. Já há algum tempo que o reflorestamento se transformou numa questão vital para mim. Coloquei o tema do plantio de árvores no show de abertura da Olimpíada. Uma coisa foi levando à outra. Ligando uma pessoa aqui, outra ali, fazendo a ponte entre financiadores, o filme tornou-se viável.”
Vamos por partes
Desenvolvida pela União Africana e pelo Comitê das Nações Unidas Contra a Desertificação, A Grande Muralha Verde é uma proposta de US$ 4 bilhões que pretende reflorestar uma área de cerca de 8 mil km de extensão do continente africano, na região do Sahel, e não apenas. É uma extensa faixa de terra que atravessa diversos países – Burkina Faso, Djibouti, Eritreia.
Etiópia, Mali, Senegal, Sudão e Chade. A ideia é estimular países e comunidades a combater a desertificação, em suas áreas específicas. Como um todo, o projeto, em andamento, deve beneficiar 20 milhões de pessoas, resgatando-as da fome e da miséria. São números grandiosos, em termos de investimento e benefício social. Com o projeto da Great Green Wall, surgiu a ideia de um filme para documentar a iniciativa. Fernando Meirelles é um dos produtores, e seu comprometimento vai além de emprestar seu nome, que significa prestígio autoral e responsabilidade empresarial, para angariar fundos. Ele acompanhou, mesmo que à distância, a filmagem e a finalização. Deu sugestões que, eventualmente, foram aproveitadas, mas destaca que Jared P. Scott fez um belo trabalho. “O autor é ele.”
A Grande Muralha Verde propõe uma viagem pelo continente africano, por essa região que sofre as consequências da desertificação acelerada. É um tema que tem estado em discussão no Brasil. “O governo minimizou quanto pôde o perigo do desmatamento e das queimadas, e só o que conseguiu foi unir o mundo todo em defesa da Amazônia”, observa Meirelles. Quando conversou com o repórter, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, havia sido internado em decorrência de um mal-estar. “É uma coisa horrível dizer isso, mas o ministro tinha a cara desse governo que tem voltado as costas, sistematicamente, para a questão do meio ambiente. Pelo menos, porque ele passou mal, ficamos sabendo que tem um coração.” Meirelles planta, por ano, entre 13 e 15 mil árvores. “Tenho um berçário próprio, para produção das mudas e sementes. É um momento importante na história, em que plantar árvores e plantas pode ser uma contribuição simples e barata para ajudar a combater o aquecimento global e a desertificação. Ouvi falar pela primeira vez da Grande Muralha Verde quando preparava o show de abertura da Olimpíada do Rio, que tinha um segmento sobre as florestas. Fiquei impressionado com a escala do projeto, que atua no segmento social como no ambiental. O próprio documentário é muito rico e transforma em esperança uma iniciativa das mais positivas.” O filme tem uma protagonista, a cantora e modelo do Mali, Inna Modja. A câmera segue sua viagem pelo Sahel, e Inna assina a seleção musical. A viagem é também sobre as culturas, e a música, da região. Inna deveria vir à Mostra, com o filme. Faria um show, mas engravidou. A musicalidade e força de The Great Green Wall falarão por si.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.