Uma das melhores séries da TV brasileira no ano passado, Sob Pressão ganha 2ª temporada com novos personagens. Entre eles, a ambiciosa Renata, vivida por Fernanda Torres, que assume a direção do hospital na periferia do Rio, onde trabalha, em esquema de guerrilha, a equipe médica liderada pelo dr. Evandro (Júlio Andrade) – cujo lema é não deixar ninguém morrer no seu plantão. Assim como ele, a dra. Carolina (Marjorie Estiano) é uma médica talentosa e idealista.
Diferentemente do filme de 2016, que deu origem à série, Sob Pressão na TV não só revela o drama vivido pelos médicos na rotina de quem trabalha na saúde pública, como se aprofunda na vida pessoal deles – e de seus pacientes também. A competente Renata chega para assumir a direção, até então ocupada por Samuel (Stepan Nercessian), cheia de boas intenções, mas entra em esquemas de corrupção com a justificativa de fazer o hospital funcionar melhor.
A série, que tem direção artística de seu marido, Andrucha Waddington, marca a volta de Fernanda Torres ao drama. “Estou tendo um prazer enorme de trabalhar numa chave de interpretação com que há muito tempo eu não trabalhava em TV”, diz ela, ao Estado. Com supervisão de texto de Jorge Furtado e redação final de Lucas Paraízo, a nova temporada tem estreia prevista para o segundo semestre.
Sob Pressão começou como filme e virou série, que este ano chega à 2ª temporada. Como é entrar na rotina de uma produção assim, já iniciada?
Desde o ano passado, o Andrucha, o Jorge e o Lucas estavam falando que teria esse personagem, tinham pensado para mim e que queriam tratar da questão da corrupção na saúde pública. A gente começou a tentar tornar ela crível. Fomos chegando a algo interessante, que é uma pessoa que é muito comum, que é o seguinte: para as coisas andarem, existem esquemas de corrupção que melhoram o sistema; só que, por trás disso, existe uma coisa terrível, que é uma saúde pública que se move não graças a salários decentes, a um real desejo de equipar um lugar, mas, sim, a comissões que vão comendo o dinheiro público.
Ela vem do setor privado e o Estado não teria como pagá-la. E ela é uma pessoa extremamente capaz, então aceita primeiro um pequeno esquema que chegue ao salário que ganhava, só que depois isso vai crescendo. Achei interessante, porque é uma pessoa que entra achando que essa é a ética do mercado, que você não tem como resolver o Brasil, mas que tem como fazer andar. É a curva de alguém que começa bem-intencionada e acaba uma criminosa.
Como você disse, a Renata vai da saúde privada para a pública. Por que faz esse caminho?
A gente desenhou uma pessoa ambiciosa. Alguém que sai de um hospital privado e assume um pepino no hospital público. Ela tem ambições, talvez de uma Secretaria de Saúde, tem ambições de crescer.
E ela entra no lugar do diretor Samuel?
Sim, ele também é um cara que, para salvar a vida de uma pessoa, paga o dobro num tomógrafo na temporada passada, porque ele diz que é assim que anda. Então, não é um hospital onde isso não acontecia de todo, só que ela entra de uma maneira mais profissional, com mais investimento e uma propina mais baixa. E o Samuel corria atrás do rabo. É um presente dos deuses a convivência com o Stepan. Ele é meu par na série.
O Evandro é a figura que faz a contraposição a tudo isso, não? Haverá embates entre os dois?
Claro, entre ele, a Carolina e ela. O médico resolve o problema prático, mas, uma hora, isso esbarra nele.
Como está o ritmo das gravações?
O meu personagem vai entrando aos poucos, a partir do capítulo 4, vai pelas beiradas, até que, a partir do capítulo 9, o bicho pega pro lado dela. Já gravei coisas importantes. Por exemplo, uma coisa maravilhosa é o hospital em Cascadura, um bairro maravilhoso (na zona norte do Rio), tem verde. O hospital tem um pôr do sol lindo, mas é no meio de três favelas, que não são como a Rocinha. São favelas que, você olhando, são mais doces, são menos trágicas. Só que, um dia, indo gravar, tinha pneu queimando, de vez em quando tem helicóptero.
É a mesma locação da temporada passada?
Sim, é um lugar excelente. É trágico, porque você sente ali, na presença daquele hospital que é lindo, da virada do século 19 para o 20, que seria um lugar extraordinário para morar, com aquelas casas que têm quintal atrás. É o subúrbio do Rio no seu melhor, mas estragado pela tragédia do Rio. Conheço Madureira; em Cascadura, eu nunca tinha ficado, e me chocou muito isso, ser tão perto de ser um bairro bom. Só que ele vive nessa tensão social que o Brasil vive e o Rio especialmente.
Como foi voltar ao drama?
Estou adorando, porque eu vinha trabalhando com comédia na televisão há muito tempo. No início, apanhei um pouco, para encontrar o tom realista, que os atores da série têm de uma maneira extraordinária, mas eu já me adaptei. Foram duas séries de muito sucesso. Uma ficou três anos (no ar), que foi Os Normais, aí levei 7 anos fazendo uma coisa aqui e outra ali, e depois veio Tapas & Beijos, que ficou 5 anos. E então fui escrever, fui fazer outras coisas, mas, desde Casa de Areia (filme de 2005) que eu não atuava (num drama).
De fato, o realismo da série impressiona.
É, tanto nas interpretações quanto na maneira de filmar, um realismo raro de a gente ver. Com atores muito bons. Lembro, no ano passado, do trabalho da Laila Garin, que foi lindo, ou do garoto (o ator Rafael Losso) que fez que descobria que tinha aids e a mulher estava grávida. É uma forma de atuar que a gente também lutou no caso da Renata, de não ser a vilã, de ser uma pessoa humana e que também tem dilemas, porque a série não é maniqueísta.
No ano passado, você estava na série de humor Filhos da Pátria. Vai ter outra temporada?
O Bruno (Mazzeo) está escrevendo, será na era Vargas. Acho que a família (da primeira temporada) volta. Ainda não tem data de filmagem.
Você falou sobre a situação do Rio. Até agora, não há resolução das mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Como vê essa demora no esclarecimento do caso?
Acredito que tenham muitas forças tentando abafar, mas existe também vontade de que isso seja apurado pela população, mas também por uma ala que quer apurar isso dentro da polícia, dentro do próprio Estado. Tem a questão da prova. Mas acredito que estejam trabalhando para que isso seja apurado. Acho que é um caso difícil de ficar sem resposta, porque a Marielle é uma árvore grande, englobava muitas coisas: a mulher negra, lésbica e a prova de que a educação pode levar as pessoas a um lugar melhor.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.