Fazendeiro solitário busca companheira em Você é tão bonito

São Paulo, (AE) – Michel Blanc está feliz da vida. Numa conversa por telefone, de Paris, no sábado, o ator de Você é tão bonito, comédia de Isabelle Mergault que estreiou nesta sexta-feira em São Paulo, confessa que, nos últimos tempos, andou filmando tanto que não teve tempo de fazer o que gosta – ver filmes. Em janeiro, ele informou, a Academia Francesa de Cinema envia a seus votantes as cópias dos filmes indicados para o César, o Oscar do cinema francês, e Michel Blanc poderá ver, enfim, o que perdeu por seu envolvimento nos sets dos novos André Téchiné e Alain Corneau.

No Brasil, talvez só os cinéfilos de carteirinha identifiquem Michel Blanc como diretor do cult Marche à L?Ombre, de 1984, e ator de Patrice Leconte na série Bronzés e também em Um homem meio esquisito. Na França, seus filmes fazem, brincando, 2 milhões ou 3 milhões de ingressos. Você é tão bonito foi um estouro nas bilheterias do país, o que foi considerado surpresa, pois se trata de um filme ?pequeno??. O fator que contou deve ter sido a presença de Michel Blanc. Ele tem outra explicação.

?Acho que o público gostou da história, que é simples e direta. Fala de preconceitos, de problemas sociais, mas de uma forma que privilegia os sentimentos.??

É a história deste agricultor, viúvo e solitário, que necessita de uma companheira para dividir as tarefas na fazenda muito mais do que a cama. O herói busca uma agência matrimonial. Indicado pela dona, ?importa?? uma noiva da Romênia. Entra em cena Medeea Marinescu. As diferenças culturais são grandes, as dúvidas e desconfianças também, mas no final prevalece o amor. Afinal, Você é tão bonito é uma comédia romântica.

?É uma coisa que nunca havia feito antes??, explica Michel Blanc. ?Em geral, me chamam para fazer personagens urbanos e neuróticos. Aqui, a relação do personagem com a terra muda tudo. Tive assessoria sobre como conduzir um trator ou tirar leite das vacas, mas a mudança veio mesmo deste contato mais direto com a terra.?? Não deixa de ser um filme sobre a França profunda, temerosa de emigrantes que venham ocupar o espaço dos nativos. ?Neste meio, importar uma mulher, uma estrangeira, ainda por cima, pode ser malvisto. Vira uma prova de incapacidade.??

O ator corrige a definição de comédia romântica. Diz que Você é tão bonito começa romântico e fica cada vez mais sentimental. ?Gostei de fazer por isso.?? Também não responde a uma provocação do repórter, que diz que a crítica do consumismo e da ?beleza? como requisito estão na essência do seu cinema. ?Não tenho como avaliar o que faço, mas se você diz…?? Não poupa elogios à diretora. ?Isabelle é estreante e, além de talentosa, sabe ouvir. Gosto de trabalhar com diretores novos e cheios de vontade de mostrar o que podem fazer. Trabalho muito com veteranos, como Patrice (Leconte), mas o risco, lá, é de um acomodamento. É verdade que isso não ocorre com Patrice e, por isso, nos damos tão bem.??

Meddea Marinescu foi um achado. ?Ela é uma grande atriz na Romênia. Representa duas, três peças por semana, alternando comédia e drama, o que lhe dá uma técnica extraordinária. Mas ela não perdeu seu frescor. Trabalha bastante no cinema e sabe que atuar para a câmera é diferente do que atuar para o público.? Blanc assinala o que, para ele, faz a diferença. ?Isabelle buscou a atriz que melhor servisse ao papel. Seu olhar feminino a levou a escolher uma figura humana. Um homem teria apostado mais no exterior que no interior. Teria buscado uma top model linda de olhar, mas sem talento de atriz. São detalhes assim que fazem toda a diferença no cinema e podem arruinar a melhor das histórias.?

Sem planos imediatos para dirigir, acaba de fazer dois filmes que foram experiências muito intensas – Les Témoins, de André Téchiné, e o remake de Le Deuxièmee Souffle, de Jean-Pierre Melville, agora assinado por Alain Corneau. ?O filme de André remonta ao início da aids na França, quando havia desinformação e preconceito em relação à doença que atingia somente os gays. André fez um filme muito grave, discutindo sexualidade e direito à diferença.?? E Le Deuxième Souffle? O repórter confessa que ama o original, lançado no Brasil como Os profissionais do crime. Ele gosta do título brasileiro, Les professionels du crime. ?Melville é um clássico e a crítica francesa é muito xiita. Alain terá uma crítica, a priori, dura, mas ele é ?tétu? (cabeçudo) e está fazendo um filme que acredito que vai sair muito forte, muito pessoal.??

Melville, chamado de ?o mais americano dos grandes diretores franceses??, reinventou o filme noir e o de gângsteres. Isso leva a uma conversa sobre diferenças culturais. ?O cinema francês, ao contrário do americano, reconhece o direito de autor?, explica Michel Blanc. ?Nossos melhores filmes são os que falam de gente ou, então, que discutem questões intelectuais, aos quais os americanos são alheios. No fundo, acredito que se trata de uma questão de paisagem. Estamos acostumados a ver correrias e perseguições em São Francisco, Nova York, Los Angeles e Chicago, não em Paris. Arme uma grande perseguição sobre o pano de fundo da Torre Eiffel ou do Arco do Triunfo. Ficará falsa. Será uma imitação. O recorte do nosso cinema deve ser mais intimista.??

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