Uma história recente para reforçar o poder mitológico de Fats Domino, esse pilar do rock and roll, essa mão direita que colocou o piano para dançar desde 1955, quando Ain’t That a Shame ganhou o mundo e passou a deixar rebentos pelos quatro cantos. Era 2005, e o senhor Antoine Dominique Domino, seu nome de batismo, tinha 77 anos.

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As previsões do apocalipse diziam que um grande fenômeno natural se aproximava da terra de Fats, New Orleans, com potencial para destruir a cidade inteira, mas ele tinha apego demais à sua casa e à sua mulher, então adoentada, para ligar para furacões.

Nenhum poderia ser maior do que ele mesmo, Fats Domino. Qual furacão poderia destruir um homem que havia erguido Elvis Presley? “Este senhor foi uma influência enorme para mim quando comecei”, revelou Elvis no final de sua vida. Qual tornado teria poder maior do que o suingue das teclas agudas que fez Paul McCartney sentar-se para compor Lady Madonna pensando em como Fats faria se estivesse em um cabaré? Furacão era para os fracos, Fats não arredaria os pés de sua New Orleans.

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O furacão veio e devastou tudo. Ao todo, nos Estados Unidos, 1,8 mil pessoas morreram, incluindo ele e toda sua família, conforme um país inteiro pensava. A região da casa de Domino foi tragada impiedosamente, e nenhum sinal apontava para uma sobrevivência. Nos muros de sua casa, uma frase decretava a perda: “Descanse em paz, Fats Domino. Sentiremos sua falta”. Al Embry, agente pessoal do pianista, ficou cabisbaixo diante dos jornalistas. “Não tenho notícias dele desde a passagem do furacão.”

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Em janeiro de 2006, quase um ano depois, a rede CNN vinha com notícias quase inacreditáveis a quem já colocava Fats na galeria dos filhos ilustres de New Orleans, ao lado de Louis Armstrong e Professor Long Hair. Domino e sua mulher, dizia a reportagem, haviam sido resgatados por um helicóptero da guarda costeira e levados para um abrigo de Baton Rouge. Lá, foram localizados pelo jogador de futebol americano JaMarcus Russel, que os levou para o apartamento de sua família. Uma matéria do Washington Post informava que eles haviam deixado a residência depois de “três dias dormindo no sofá”. E, o mais triste, que a lenda do rock and roll havia perdido tudo.

Tudo significava tudo. Condecorações por seus feitos na história, discos de ouro, fotos, móveis, documentos, memória. Desde que havia nascido a 26 de fevereiro de 1928 no humilde bairro de Lower 9th Ward, o mesmo local que vivia quando o Katrina veio acabar com seu passado, Fats demonstrava que não estava à toa na Terra. Um amigo músico, Harrison Verret, ensinou tudo o que o menino que pegava ferro velho nas ruas da cidade precisaria saber: os três acordes que fariam, naquele início de anos 1950, uma revolução, transformando o velho blues em algo que mudaria o mundo. Ele colocou fita adesiva nas teclas do piano com o nome de cada nota e passou a sair da escola mais cedo para tocar por mais tempo.

Já um craque no dialeto do nascente rock and roll, Fats caiu nas graças da gravadora Imperial Records, onde sua imagem de garoto gordinho com rosto de menino lhe valeu o nome artístico. Fats lançou seu primeiro disco no final de 1949, e logo conheceu as estrelas quando chegou, com ele, ao segundo lugar das paradas R&B. Em quatro anos, de 1950 a 1954, foram 14 as músicas que escalaram as paradas, saídas do piano de Fats Domino. Em 1954, Ain’t That a Shame fez de Fats o primeiro artista negro a colocar uma música de R&B, a forma como à época chamavam o rock dos não brancos, na parada pop.

Sua coleção de sucessos era implacável. I’m in Love Again, My Blue Heaven, Blueberry Hill, Blue Monday, I’m Walkin, Valley of Tears, The Big Beat, Whole Lotta Lovin. Os shows de TV da época já o tinham como um cliente. Dick Clark, Ed Sullivan, Steve Allen, Perry Como. O cinema também o fazia um gigante, com participações em filmes como Shake Rattle & Rock (1956), The Girl Can’t Help It (1956), Jamboree (1957), The Big Beat (1958). Little Richard, Chuck Berry, The Everly Brothers, Jerry Lee Lewis, Buddy Holly, Elvis, Beatles, Eric Clapton, todos prestavam continência ao gordinho de sorriso arrebatador.

Se havia perdido tudo com o Katrina? Era preciso checar. Logo depois da localização de Fats, um sobrevivente do Katrina ao lado de sua mulher, foi constatado que, de fato, não havia sobrado uma só madeira em pé. Em janeiro de 2006, foi iniciada uma reconstrução da casa de Fats Domino enquanto o artista passou a viver na vizinha Harvey, na mesma Louisiana. Um piano conseguiu ser resgatado e reformado dos escombros, mas nenhuma de suas vitórias materializadas em peças de ouro haviam sido localizadas. Em visita ao local, o ex-presidente George W. Bush substituiu a medalha perdida com a qual o presidente Clinton havia premiado Fats por sua carreira e os discos de ouro foram devidamente trocados pela Recording Industry Association of America e pela Capitol Records. Nesta quarta-feira, 25, Fats Domino morreu mesmo, de causas naturais, aos 89 anos, na mesma casa restaurada de New Orleans, embora indícios apontem que ele esteja bem vivo em algum cabaré de New Orleans.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.