O cantor Donizeti Camargo, 50, famoso pela música “Galopeira” na década de 1980, trocou temporariamente os palcos pelo trabalho como motorista de caminhão para a Prefeitura de Piracicaba, cidade onde mora no interior de São Paulo.
A nova profissão é para driblar a crise financeira provocada pela paralisação há mais de um ano dos shows devido à pandemia de Covid-19. A explosão de casos da doença, em março de 2020, obrigou o cantor a cancelar os mais de 20 shows que havia no primeiro semestre. “Meu último show foi em 26 de fevereiro, em Jundiaí, no Rancho do Cowboy, e depois parou”, diz o cantor, em entrevista ao F5.
“Todo final de semana fazia de dois a três shows em casas noturnas, rodeios e festas de cidades. Não esqueço o 11 de março de 2020 em que a OMS [Organização Mundial de Saúde] decretou a pandemia. Meu aniversário foi no dia 12”, relembra o artista, que cobrava em média R$ 15 mil por apresentação, e teve que se reinventar para sustentar a família -o mesmo ocorreu com os músicos e técnicos da banda.
Antes de se tornar caminhoneiro, Donizeti buscou trabalho no rádio e na TV, onde já apresentou alguns programas, como o “Especial Sertanejo”, na TV e rádio Record. Mas ele não conseguiu trabalho como apresentador porque exigiam que tivesse um patrocínio de R$ 50 mil para o horário.
Sem saída, o cantor recorreu ao auxílio emergencial de R$ 600, concedido pelo governo federal, e recebeu três parcelas. “Vou ser sincero, [o auxílio emergencial] foi só para realmente me dar uma ajuda para colocar comida em casa”, diz o artista.
O emprego como caminhoneiro ele conseguiu por indicação do irmão caçula, que ficou com receio de perguntar ao irmão famoso se ele aceitaria trabalhar dirigindo caminhão. Desde setembro de 2020, Donizeti faz o transporte das equipes do setor ambiental da Prefeitura de Piracicaba.
“As pessoas acham que a gente que é artista não sabe fazer outra coisa a não ser cantar e tocar. Temos capacidade de fazer outras coisas. A vida mudou bastante para músicos, artistas e para quem trabalha com eventos”, explica o cantor.
O artista afirma que não foi difícil a adaptação à nova profissão porque os quatro irmãos trabalhavam na área de transporte e o pai aposentado já foi caminhoneiro. Ele tem gostado tanto da área que pretende, quando retomar os shows, investir em uma empresa de transporte com a família.
A pandemia ensinou que ele precisa uma fonte de renda além da música. “Para mim não foi difícil me adaptar, hoje é o meu ganha-pão neste momento de pandemia. Como eu não posso trabalhar com shows, eles pararam, eu estou caminhoneiro”, afirma Donizeti.
O cantor diz que acorda diariamente às 5h20 e segue todas as medidas de segurança no trabalho para não se contaminar com o vírus, como uso de máscaras e álcool em gel. Por precaução, devido a estar o tempo todo na rua, ele deixou de visitar o pai, o maior incentivador da sua carreira musical.
“Primeiro peço proteção a Deus e acho que temos que fazer a nossa parte. Uso máscara, álcool em gel, faço higienização dentro do caminhão e não fico com muita aglomeração [de pessoas]. Como estou na rua, tenho evitado contato com o meu pai que vai fazer 70 anos”, explica o artista.
Saudade das rodas de viola
Donizeti lembra com saudade das rodas de viola que fazia com o pai e os irmãos antes da pandemia. Ele diz ser muito difícil não encontrá-los toda semana, como fazia quando estava de folga. “Enquanto eles cantavam eu ficava na cozinha fazendo paella caipira, o melhor prato que faço. Meu hobby é cozinhar.”
O isolamento social priva o artista de visitar às duas filhas gêmeas, de 26 anos, e os netos. Amanda, formada em administração de empresas, vive com o marido e os dois filhos, em Praia Grande, litoral de São Paulo. A cantora Bruna Garcia, que seguiu os passos do pai na música, mora com o marido em Guararema, na Grande São Paulo. “Sou apaixonado pelas minhas filhas e netos”, afirma o cantor com saudade.
Mesmo com todas as dificuldades devido à falta de shows, Donizeti diz que não deixa de ajudar o próximo tirando dinheiro do próprio bolso. A esposa do cantor, Denice Oliveira, 41, revela que ele reservava uma porcentagem do dinheiro dos shows, e agora do salário de motorista de caminhão, para comprar cestas básicas para doar para quem precisa.
“Ele gosta de fazer o bem, mas não usa isso como marketing de artista, mas como um homem comum ajudando o próximo. Eu o vejo como um exemplo de pessoa, sinto o quanto faz bem a ele ajudar o próximo”, diz a esposa.
Apesar de estar há um ano sem fazer shows, Donizeti diz que não desistiu da música e que pretende voltar aos palcos quando acabar a pandemia. Neste período de impedimento, o cantor fez duas lives, mas desistiu devido à falta de patrocínio. “Para quem não está na mídia é mais difícil conseguir patrocinador.”
Melhor voz infantil
Nascido em Conchas, interior de São Paulo, Donizeti começou a cantar com cinco anos nas rodas de viola em família. Para ele, cantar era natural e ir a programas de TV, rádios, estúdios e viajar pelo Brasil era como se fosse uma brincadeira. Ele foi um dos primeiros artistas sertanejos a cantar no Fantástico (Globo).
O primeiro disco foi um vinil duplo, lançado em 1978 pela gravadora CBS, quando tinha oito anos. Mas o sucesso chegou mesmo em 1982 após gravar um disco com 12 músicas, entre elas, “Galopeira”, versão de uma canção paraguaia.
A partir deste disco, ele começou a participar de vários programas de TV, como Geraldo Meirelles, Bolinha e Som Brasil. No entanto, sua carreira despontou mesmo quando participou do Programa da Hebe, na antiga TVS que mais tarde mudaria de nome para SBT.
O dono do canal, Silvio Santos, ficou impressionado com o garoto que conseguia sustentar durante 20 segundos a mesma nota musical no refrão da música. Por intermédio do apresentador, Donizeti viajou ao México para disputar com outras crianças o Festival America Esta Es Tu Canción, entre elas o hoje famoso cantor mexicano Luis Miguel.
Donizeti ganhou a disputa com a música “Canarinho Dobrador”, impressionando os jurados com a mesma técnica de sustentar a nota musical por 20 segundos. “Eles não esperavam que eu ia sustentar por tanto tempo a nota [musical] e ser a melhor voz infantil da América Latina”, relembra orgulhoso.
Ganhar o concurso como melhor voz infantil da América Latina abriu portas para o cantor que ainda adolescente fez shows em Miami (EUA) e em algumas cidades no México. “O prêmio foi muito importante porque me levou a outros países”, afirma.
Diferentemente de Luiz Miguel, a carreira de artista não o deixou milionário. Ele lembra que na época do auge não se faziam grandes eventos ou shows como os que acontecem hoje e que rendem muito dinheiro ao artista.
“No máximo, a gente conseguia cantar em praça pública e fazer shows em circo. Eu me lembro que na época de circo cantava ao lado de Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico. Chitãozinho e Xororó e João Mineiro e Marciano, artistas mais populares”, diz.
Passados mais de 40 anos de carreira, 23 discos gravados no Brasil e dois no exterior, tudo o que Donizeti espera é acabar a pandemia para pegar a estrada novamente. Desta vez, como passageiro para fazer shows e cantar a canção “Galopeira”. “Cauby Peixoto teve uma música, ‘Conceição’, que ele cantou até a morte. Vou cantar ‘Galopeira até a morte”, compara.