“Hoje leciono literatura para alunos universitários indiferentes a qualquer tipo de leitura, mas principalmente à poética, e tal fato me leva muitas vezes a perder o respeito pelo que ensino e por mim mesmo.” Miguel Sanches Neto.
Meses atrás, li um artigo de nosso ilustre professor e crítico literário, Miguel Sanches Neto, com o título acima, que lhe tomo emprestado nesta oportunidade. Aquele trabalho fez despertar em mim um desejo antigo que vinha alimentando de escrever algo sobre o tema, desde que, desencantado com o magistério, senti que era hora de parar. Parar não! Parar apenas de dar aulas para mais de cem alunos apinhados numa sala. Mas, há outras maneiras de ensinar, de contribuir de alguma forma para o aprimoramento da comunicação em língua portuguesa. É o que procuro fazer.
Vi, pesaroso, naquele artigo do Sanches, todo o desânimo de um professor de Literatura que assim se refere ao estudante do curso de Letras: ” que chegou ali sem nenhum interesse anterior pela leitura… tendo que partir do estágio alfabetizador (!) pois a maioria dos alunos de Letras ainda não foi apresentada à poesia (e ao texto literário em geral)”.
Percebi a angústia do ilustre escritor, ao citar trecho de uma obra, em que um velho mestre, “como não tem respeito pela matéria que ensina, não causa nenhuma impressão aos alunos. Não o olham quando ele fala, esquecem o seu nome. Esta indiferença dói mais do que ele admite… A ironia não lhe escapa: aquele que vai ensinar acaba aprendendo a melhor lição, enquanto os que vão aprender não aprendem nada.”
Eu acrescentaria: Durante a aula de linguagem, os alunos não apenas não olham o professor, quando ele fala. Eles olham pela janela o movimento dos automóveis, lá fora. Outros lêem distraidamente um jornal. Alguns tentam reparar, com ligeiros cochilos, a noite mal dormida. Boa parte conversa com os colegas mais próximos (ou não). Entediados, muitos ruminam chicletes. Muitos só não fumam ali, porque há uma lei proibitiva, sob pena de multa. E ai de você, pobre mestre, vítima desse desprezo (e hostilidade!), que resolve indignar-se e chamar a atenção do “agressor”! Especialistas vão mostrar-lhe gráficos coloridos e demonstrar-lhe que é antipedagógica tal atitude, e coisa, e tal…
Todos esses fatos têm-me trazido, a cada ano que passa, certo desconforto o que, certamente, me descredencia para continuar lecionando minha disciplina. É por isso que, com dor na alma, estou deixando o magistério, como aquele jardineiro que, cansado pelos anos, abandona seu ofício de regar e cuidar de jardins. Confesso que há uma certa mágoa em minhas palavras, quando digo que ninguém é insubstituível, que estou dando o lugar para outro mais jovem e mais entusiasta ou, senão, menos marcado pela desesperança do que eu.
Perdoem-me, contudo, os moços de boa vontade, que faziam a diferença em minhas turmas; que se interessavam pela matéria e me prestigiavam com sua atenção; que protestavam contra os falastrões e desidiosos, e procuravam, de todas as formas, reacender em mim a chama do entusiasmo pelo magistério.
Devem lembrar-se de que eu sempre lhes dizia: Para vocês eu daria aula de graça! Mas, cansei de argumentar, de refutar, de nadar contra a maré. Cansei até dessa cantilena de sedizentes neolingüistas, que ridicularizam o ensino da sintaxe e propugnam por uma linguagem sem peias e sem obediência às normas gramaticais. Não se dão conta de que, sem qualquer freio inibitório, sem uma preocupação unificadora incessante da língua, a evolução fonética irromperá desbragadamente, construindo verdadeira Babel. A propósito, lembro-me de certos desertores da gramática tradicional, desgarrados calvinistas que, nas décadas de 60 e 70, depois de muita filosofada e pregação protestante, chegaram à conclusão de que aquelas novas propostas não levavam ao fim colimado, e acabaram retornando à casa paterna da ortodoxia lingüística.
Pois é. Fazendo coro às queixas do Sanches, eu também cansei de falar sozinho…