De tempos em tempos, o mercado de arte resgata artistas prestigiados pela crítica, mas injustamente esquecidos. É o caso de um quarteto de pintoras veteranas agora homenageadas com retrospectivas e livros. Duas delas nasceram quando o Brasil ingressava na modernidade artística com a Semana de 22: Jandyra Waters, com 94 anos, e Judith Lauand, que acaba de completar 93 anos. As duas outras, Niobe Xandó (1915-2010) e Yolanda Mohalyi (1909-1978), foram celebradas em vida por críticos renomados, mas só agora ocupam o merecido lugar no panteão dos pioneiros do abstracionismo no Brasil.
Coincidentemente, as quatro eram apontadas com frequência como vetores dessa tendência pelo crítico e poeta de origem turca Theon Spanudis (1915-1986), cujo centenário de nascimento será comemorado em novembro com uma exposição de seu acervo no Museu de Arte Contemporânea (MAC/USP).
Duas das citadas artistas podem ser vistas em exposições retrospectivas em cartaz na cidade: o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) abriga até agosto a mostra Judith Lauand: Os Anos 50 e a Construção da Geometria, que tem como curador Celso Fioravante, editor do Mapa das Artes. São obras produzidas no período que determinou uma mudança radical na sua pintura, ligada à figuração até 1953. Judith foi a única mulher integrante do histórico grupo Ruptura, que marcou, nos anos 1950, o advento do concretismo no Brasil.
A outra exposição, em cartaz até dia 20, na Galeria Marcelo Guarnieri, com curadoria do galerista, refaz a trajetória de Niobe Xandó em seu centenário de nascimento. A exemplo de Judith Lauand, Niobe também começou a carreira como pintora figurativa, mas enveredou pela abstração, decidida a afirmar sua sintaxe visual, amparada nos signos da cultura africana e indígena. O marchand conheceu a artista em 1984, quando Niobe já se despedira das exposições comerciais (sua última mostra individual foi em 1983, na extinta galeria de Paulo Vasconcelos). “Tinha, então, 17 anos, e acabei conhecendo outros pintores veteranos por intermédio de Niobe e sua filha Lourdes.”
Guarnieri descobriu, então, sua vocação para resgatar valores num país cuja memória é por vezes curta demais. O marchand já promoveu uma retrospectiva de Baravelli e pretende “rever” a produção de outros nomes eclipsados por contemporâneos mais jovens. “Posso citar, entre outros, Liuba Wolf, Mário Cravo Neto, falecidos, além de Amélia Toledo e Gerty Saruê, ainda ativas, que terão espaço no calendário futuro da galeria.”
Em alta
Guarnieri não é o único exemplo no mercado. O marchand Peter Cohn tomou a iniciativa de publicar o primeiro livro dedicado à pintora de origem húngara Yolanda Mohalyi, uma colorista excepcional que, nos anos 1960, trocou a pintura de cunho realista pela abstração. Escrito pela crítica Maria Alice Milliet, o livro será lançado em setembro, quando a Dan Galeria pretende promover uma pequena retrospectiva da artista com ênfase nos trabalhos que a consagraram na 6.ª Bienal de São Paulo, todos vinculados ao abstracionismo não geométrico – na época, classificado como expressionismo abstrato, lírico ou informal. “Esse é o período da sua migração para a linguagem abstrata, contrariando a vontade de Segall, sua grande referência”, observa Cohn.
Outra galeria que tem aberto espaço para os veteranos é a Almeida & Dale. Após organizar exposições de pintores modernistas com uma sólida posição no mercado (Volpi, Bonadei, Guignard), a galeria investe agora em Jandyra Waters, ainda pintando – e bem – aos 94 anos. “Vamos abrir em setembro uma retrospectiva com 35 obras dela, dez pertencentes a coleções particulares”, adianta o marchand Antonio Almeida. E ele está falando de acervos como os dos colecionadores Ladi Biezus, Marco Antonio Mastrobuono e Orandi Momesso, que foram amigos de Volpi. “Mais que o retorno de uma grande artista, trata-se do reconhecimento do mercado a uma pintora cuja importância já foi atestada pela crítica”, conclui Almeida.
Protagonistas
Duas das veteranas, Niobe Xandó e Yolanda Mohalyi, já receberam anteriormente a atenção merecida da Pinacoteca do Estado, que promoveu retrospectivas dessas artistas em 2009. E mesmo Judith Lauand vem crescendo no mercado internacional – não só em reconhecimento crítico, como em cotação, lembra sua marchande, Berenice Arvani, exibindo catálogos de mostras em Londres e Nova York: num leilão realizado em maio, na Christie’s de New York, foi adquirida uma obra sua, Composition on Red Background, de 1966, por US$ 87 mil (o lance inicial foi de US$ 50 mil).
“As mulheres sempre tiveram um papel subalterno na arte brasileira, apesar do protagonismo de Tarsila, Anita, Lygia Clark, Lygia Pape e Beatriz Milhazes, mas isso está mudando com o reconhecimento do mercado internacional, embora ele oscile em função de interesses financeiros”, analisa o curador da mostra de Lauand em São Paulo, Celso Fioravante. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.