São 70 fotografias que descrevem a vida na primeira metade do século passado em La Paz, na Bolívia, não só por meio dos retratos realizados em estúdio, mas, principalmente, de imagens obtidas nas ruas, registrando o comércio, as festas populares, os presídios, as prostitutas e, até mesmo, os funerais.
São relatos fotográficos com conteúdo documental e inovação estética realizados entre 1900 e 1961 por Júlio Cordero, nascido no altiplano boliviano, em 1879.
Imagens de um país contraditório – como todos os da América Latina, que, por um lado, flagram uma Bolívia ocidentalizada, com valores capitalistas e católicos e, por outro, a nação que reivindica a sua visibilidade. A arte do fotógrafo poderá ser conferida em Archivo Cordero, exposição inédita no Brasil que será aberta no sábado, 24, no Solar da Marquesa de Santos.
Nas primeiras duas décadas do século 20, Júlio Cordero (1897-1961) vai alcançar fama e reconhecimento em seu país, retratando seus diferentes grupos sociais e contando um pouco da história de seu povo e, consequentemente, da América Latina. “Ele foi muito moderno, inovando na estética e na composição”, conta, por telefone, o espanhol Miguel López-Pelegrin, curador da mostra. “Por vezes, as pessoas que ele fotografou estavam diante de uma câmera pela primeira vez e ele conseguia um olhar natural. Sua maior ferramenta foi a luz.”
Nas últimas décadas, a fotografia latino-americana está sendo bastante discutida e divulgada, mas ainda é necessário refletir sobre questões como a existência, ou não, de uma estética própria da América Latina, que, por muitos anos teve seus olhos voltados somente para os Estados Unidos e a Europa e menos para a produção local, especialmente quando falamos dos seus primórdios. E, é preciso lembrar, que há diversos profissionais inovadores que permanecem desconhecidos fora da Bolívia.
Ao observarmos as suas imagens, fica difícil não pensar no fotógrafo peruano Martin Chambi (1891-1973), mais conhecido. Compará-los, porém, não seria justo.
Ambos trazem um novo olhar sobre a fotografia realizada nas primeiras décadas do século 20 e procuram, de uma certa maneira, trazer à luz um cotidiano talvez desconhecido: “Além de retratista fantástico, Júlio Cordero foi ainda excelente documentarista e repórter ousado para a época”, comenta o curador. “O que é estranho é o desconhecimento da produção fotográfica boliviana e do trabalho de um mestre como Júlio Cordero.” E se seus registros ainda são pouco divulgados fora das fronteiras em seu país, por outro lado, ele tem influenciado profissionais da área por seu ecletismo. “Em suas fotografias, ele imortaliza as duas culturas formadoras da sociedade boliviana – a ocidental e a indígena, que luta por suas tradições e pela sobrevivência.
As legendas das imagens foram criadas pela artista boliviana Maria Galdino. Bastante sarcástica, ela imprime uma visão fortemente ideológica em seus textos, que nos ajuda a compreender, por intermédio de metáforas, a formação da sociedade boliviana. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.