Exposição sobre Bowie é inaugurada no MIS

Concebida e montada pelo Victoria & Albert Museum de Londres, no ano passado, a mostra David Bowie is criou um novo paradigma em termos de “memorabilia” de pop stars. Geralmente, a noção taxidérmica de Madame Tussaud do culto à personalidade representava um túmulo para a criatividade. A mostra David Bowie, que o Museu da Imagem e do Som importou para o Brasil e apresenta a partir desta quinta-feira, 30, em São Paulo, é o anti-museu de cera.

“Bowie constitui um elo entre Andy Warhol, Bertolt Brecht, William Blake, Charlie Chaplin, Antonin Artaud, Salvador Dalí, Marlene Dietrich, Philip Glass, Nietzsche, o glamour de Hollywood, o design gráfico, os sapatos plataforma, o cinema, a música, Kurt Weill, Berlim, Nova York, Londres, Alexander McQueen, os Jogos Olímpicos de Londres em 2012, Jim Henson, os pousos na Lua, Kansai Yamamoto, Kate Moss e Marshall McLuhan”, disseram os curadores da mostra, Victoria Broackes e Geoffrey Marsh.

Ou seja: aos 67 anos, 50 de carreira, David Robert Jones, o David Bowie, engendrou em seu trabalho e em sua vida a arte visual contemporânea, o teatro, a poesia, a mímica, o absurdo, a provocação, o cabaré, o minimalismo, a filosofia, a moda, as teorias da comunicação, a revolução sexual. Tem sido um dos maiores inimigos do provincianismo, com sua postura de cidadão do mundo. Mesmo seu silêncio, como o de Marcel Duchamp, foi recheado de eloquência – o período de 10 anos em que ficou sem lançar discos, até The Next Day, no ano passado, foi um período de embates e debates.

Essa abrangência de sua visão está representada na exposição, que reúne cerca de 300 itens de sua carreira: repertórios de shows (set lists), letras de músicas, manuscritos, instrumentos e desenhos, 47 figurinos de suas diferentes personas, trechos de filmes e shows ao vivo, videoclipes, fotografias.

Segundo a direção do MIS, entre os figurinos que compõem a mostra, estão peças do álbum Aladdin Sane (1973), como o macacão assimétrico feito de vinil (Tokyo Pop) assinado por Kansai Yamamoto e a bota plataforma vermelha, ambos usados na turnê do álbum em 1973; o terno azul claro usado na gravação do promo feito para Life on Mars? e um conjunto de calça e jaqueta multicoloridos, de Freddie Burretti, feito para a turnê Ziggy Stardust and The Spiders from Mars. “Com efeito, Bowie talvez seja o músico mais citado na história da moda”, disse Mark O’Flaherty, do Financial Times.

Uma das preciosidades, segundo a curadoria, é uma inédita foto promocional feita para a banda The Kon-rads, primeira formação de que ele fez parte quando tinha apenas 16 anos. Dessa banda fazia parte seu amigo George Underwood, cuja contribuição para o futuro de Bowie foi fundamental: foi Underwood quem o esmurrou no olho em 1961, por causa de uma garota, Carol Goldsmith, e o deixou com um olho de uma cor e outro de outra cor.

“Ele tem uma visão dupla. Para mim, é o símbolo do grande artista. Artistas veem o mundo físico e o espiritual. São oraculares. Frequentemente, nas lendas, artistas têm um defeito físico. Homero era cego, outros eram mancos. Aquele olho deteriorado é sinal do dom especial do Bowie, a parte alucinante de sua imaginação”, disse a escritora Camille Paglia.

Outra exclusividade da mostra brasileira é uma colagem feita por Bowie a partir de stills do vídeo de The Man Who Fell to Earth. Há ainda outra imagem dele com o escritor William Burroughs, fotografados por Terry O’Neill, e colorida manualmente pelo cantor.

Mas a essência é a música, daí a viagem musical que a exposição possibilita, organizando esse mergulho na espantosa Casa de Espelhos do artista, que lançou seu primeiro single, Space Oddity, em 1969, e desde então está por trás desde as noções de glamour rock até a de rock yuppie, nos anos 1980. “A visão distópica que Bowie comunicava em 1976, com sua música, suas atuações e seus figurinos, teve imensa influência no movimento punk”, observou o jornalista Tim Blanks.

“Um vigoroso espírito inovador foi promovido, a partir de 1945, por artistas como Bowie, que canalizaram a vanguarda para o mainstream popular sem comprometer sua força subversiva e libertadora”, disseram os curadores Victoria Broackes e Geoffrey Marsh. E com a marca de um businessman bem sucedido, curador de si mesmo que vendeu mais de 140 milhões de discos em sua trajetória.

Nascido na Stansfield Road, em Brixton, Londres, às 9h da manhã do dia 8 de janeiro de 1947, David Bowie é um corpo estranho no mundo do pop. “A parteira me falou: essa criança já esteve na Terra antes”, revelou a mãe de Bowie, Margareth Mary Burns, em uma entrevista. Esse é o mundo original de Bowie, contra o qual ele engendrou sua primeira revolução. “Antes do disco Young Americans, de 1975, sua carreira se baseava numa profunda reação pessoal contra a Inglaterra e, especificamente, contra os valores dos subúrbios de Londres.” Depois disso, virou cidadão do planeta.

Controle terrestre para o leitor: tome suas pílulas de proteína e vá ao MIS. O camaleão merece a visita. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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