Em 1977, Antonio Dias passou cinco meses no Nepal produzindo papéis artesanais em Barabishe, localidade próxima da fronteira com o Tibete. A princípio, o artista buscava o material que usaria na edição de seu Livro-Projeto – Dez Planos para Projetos Abertos (concebido em 1968), mas a viagem ao país asiático, na região do Himalaia, abriu-se para uma das experiências mais marcantes de sua trajetória. No Nepal, Antonio Dias trabalhou e conviveu com famílias nepalesas durante o processo de fabricação dos papéis feitos com fibras e folhas e tingidos naturalmente. Mais ainda, aquele foi um “momento importantíssimo”, ele conta, sobretudo por ter se “liberado das formas rígidas que usava antes” em sua produção.

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Em Barabishe, trabalho de arte e trabalho, no sentido laboral e ainda coletivo, entrelaçaram-se de uma maneira pura como se pode ver em um monte de fotografias históricas do período – e o Estado teve acesso a algumas delas (veja ao lado). A singularidade dessa realização, entretanto, não ficou presa àquele local, nem àquele ano nem aos registros fotográficos – ao voltar para o Brasil, Antonio Dias trouxe consigo um monte daqueles papéis produzidos a partir de uma técnica ensinada por tapeceiros tibetanos e continuou desdobrando, por duas décadas, possibilidades poéticas e formais com o raro material. A exposição Antonio Dias – Papéis do Nepal 1977-1997, em cartaz até 4 de junho na Galeria Nara Roesler São Paulo, apresenta, assim, um pouco dessa história por meio da exibição de uma seleção de obras.

Hoje, depois de tantos anos, o artista destaca dois “pontos altos” daqueles cinco meses de 1977. O primeiro, do dia em que “um homem bastante simples” chegou ao campo onde Antonio Dias e os nepalenses trabalhavam e, inesperadamente, o brasileiro viu “todo mundo se inclinando em direção a ele”. Aquela figura, uma entidade para os trabalhadores, foi na verdade agradecer a Antonio Dias por estar “inventando uma coisa nova”.

Outra lembrança foi um fato que aconteceu já quase no fim da viagem. “Estava andando na rodovia e vi alguns garotinhos jogando uma espécie de jogo da velha com giz e pedrinhas e um deles me puxou pela roupa, disse um termo que quer dizer algo como vovô, embora, na época, eu não parecesse assim tão avô, e no chão, com giz, ele desenhou aquele retângulo que falta um pedacinho e apontou para o desenho e para mim, numa forma de dizer: Você faz isso”.

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“Aquele retângulo que falta um pedacinho” é, na verdade, uma das marcas da obra de Antonio Dias. O elemento é recorrente nas mais diversas criações do artista, nascido em 1944 em Campina Grande – e transformou-se até em uma emblemática bandeira vermelha em um dos trabalhos mais referenciais de sua carreira, The Invented Country (Dias-de-Deus-Dará), de 1976. A peça pertencente ao Museu de Arte Moderna de Nova York, mas como se vê na fotografia reproduzida ao lado, a bandeira de Antonio Dias também historicamente estendida em seu campo de fabricação de papéis no Nepal.

“Pensei em eliminar um ângulo da superfície porque esta ideia seria mais representativa da situação que existe entre quem produz o trabalho e quem o vê: alguma coisa vai estar encoberta dos dois lados, algo vai estar sempre faltando, porque a comunicação nunca é integral”, explica o artista em trecho de uma entrevista concedida a Lúcia Carneiro e Ileana Pradilla e reproduzido no recente livro Antonio Dias. A alentada edição de 381 páginas, com textos de Achille Bonito Oliva e de Paulo Sergio Duarte, foi produzida em 2016 pela Associação para o Patronato Contemporâneo em parceria com a extinta Cosac Naify e apresenta a trajetória do multicriador. A publicação terá lançamento no dia 17, às 19h30, na Livraria da Travessa do Rio e o evento contará com a participação do artista.

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