Quem precisa de argumentos para visitar uma retrospectiva de Pablo Picasso? A atração previsível pelo artista mais célebre do século 20 não deve inspirar complacência. A exposição Picasso Sculpture inaugurada no Museu de Arte Moderna de Nova York não é mais uma exposição da obra que tantos acreditam conhecer. É um evento que justifica o clichê “a chance de uma vida.”
O MoMA liberou as onze salas que exibem parte de sua coleção de arte do pós-guerra no quarto andar e instalou 60 anos de esculturas de Picasso em ordem cronológica, de 1902 a 1964. Ao percorrer a mostra, o visitante não pode ser culpado se balbuciar espontaneamente nomes de outros artistas como Alexander Calder ou Robert Rauschenberg. Como disse ao Estado a curadora Ann Temke: “Você se depara com uma obra e vem a memória de toda a carreira de outro artista.”
Há uma explicação para a escultura de Picasso, com algumas exceções, como a famosa Cabra que habitava o jardim de museu, não ter sido reunida com frequência. Picasso o filho de pintor, treinado como pintor, não se levava a sério como escultor. Não considerava as esculturas vendáveis ou tema de exposição. Ele as guardava em casa e no estúdio, misturadas aos objetos da decoração. Depois de sua morte,em 1973, a organização do espólio permitiu que obras fossem adquiridas por outras coleções. Mas o Musée Picasso de Paris é a mina de ouro que tornou possível a retrospectiva do MoMA. Ainda que as esculturas ficassem longe do público, elas foram vistas por artistas que visitavam Picasso. Só no período que precede a Primeira Guerra, Ann Temke vê as conexões entre as visitas e as obras do russo Kazimir Malevitch e do italiano Umberto Boccioni.
O diálogo do pintor com o escultor é constante. A escultura, diz Temke, se adaptava ao temperamento irrequieto de Picasso, que se permitia improvisação no meio. Na década final representada na mostra, em que predomina o metal, ela se diverte com a ideia do artista mais rico da história frequentando ferro velhos em busca de objetos.
A geografia da mostra permite também apreciar a vertiginosa rapidez de mudanças de linguagem e a manipulação de materiais – barro, gesso, bronze, cartolina, alumínio. É preciso uma pausa para lembrar que este artista tinha uma visão da escultura do século 19. Ele deu as costas para a tradição no meio com um vigor e um abandono que, agora podemos compreender, deixaram marcas em gerações de artistas no século 20, como Alexander Calder e Robert Rauschenberg.
No departamento de chances únicas, há a primeira reunião dos seis copos de absinto, cinco deles dispersados pelo então marchand do artista no começo da Primeira Guerra e leiloados em 1920, com exceção do que Picasso guardou.
A influência da arte africana sobre a pintura de Pablo Picasso é conhecida. É só admirar as sublimes Demoiselles D’Avignon que moram no quinto andar do MoMA. Mas só quando apreciamos a obra em escultura a conexão fica mais evidente e compreensiva. Ann Temke lembra que a visita de Picasso ao Museu Etnográfico de Paris, em 1907, por sugestão do amigo e pintor André Derain, foi um divisor de águas. “A noção de fazer um espírito habitar uma figura vem daí,” diz ela. “Você não olha para escultura europeia daquele tempo e pensa neste poder mágico.”
A curadora vê na representação erótica das formas femininas uma âncora do diálogo entre o pintor e o escultor. “Ele estava mapeando a renovação de sua linguagem em duas e três dimensões ao mesmo tempo.”