Cerca de cinco séculos após o início da chegada de povos escravizados da África às Américas, as rotas, as influências culturais, a miscigenação e as histórias da diáspora negra são tema de uma das maiores exposições de arte realizadas pelo Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o Masp, nos últimos anos. Em parceria com o Instituto Tomie Ohtake, o museu inaugura nesta quinta-feira, 28, às 20h, a exposição Histórias Afro-Atlânticas. No Tomie, a abertura será no sábado, 30, às 11h.

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São mais de 400 obras e mais 210 artistas do Brasil e do mundo, selecionados para contar essas várias histórias. No Masp, todo o espaço expositivo temporário, no primeiro andar e nos dois subsolos, vai receber a exposição, assim como as grandes salas expositivas do Instituto Tomie Ohtake. São desenhos, pinturas, esculturas, filmes, vídeos, instalações, fotografias e documentos que dizem respeito às relações históricas e de fluxos entre os três continentes banhados pelo Oceano Atlântico.

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“Nos navios negreiros, vieram não só pessoas escravizadas, mas símbolos, culturas, religiões e filosofias”, explica uma das curadoras da exposição, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, que montou a grande mostra com mais quatro nomes, Adriano Pedrosa, Ayrson Heráclito, Hélio Menezes e Tomás Toledo. “Esse circuito, como definiu Pierre Verger, criou não apenas fluxos, mas também refluxos.”

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A ideia de trazer as narrativas afro-atlânticas veio a partir de uma outra exposição feita por Schwarcz e Pedrosa no Tomie Ohtake em 2014, Histórias Mestiças. “Desde aquela época, pensamos em desdobramentos interessantes, como a escravidão e a invasão europeia nas Américas”, explica Adriano. “Desdobramos inicialmente em Histórias da Escravidão e Histórias Indígenas, uma exposição que está programada para 2021.” A ideia de ampliar a discussão para narrativas Afro-Atlânticas veio após a realização de um seminário sobre o tema em 2016.

O seminário, aliás, foi o primeiro de vários eventos com a temática no Masp. No museu, todo o ano de 2018 é dedicado ao tema, desde as exposições individuais, como de Maria Auxiliadora, encerrada em maio, e a de Rubem Valentim, programada para o próximo semestre, até palestras, eventos culturais e sessões de cinema. O estudo curatorial para a mostra Histórias Afro-Atlânticas resultou também numa grande antologia textual, que será lançada junto com o catálogo da exposição, e reúne artigos e textos nacionais e internacionais sobre a questão, alguns traduzidos no Brasil pela primeira vez.

As fontes internacionais, aliás, são boa parte da mostra visual. Para contar histórias que envolvem três continentes, o Masp e o Tomie Ohtake contaram com importantes empréstimos de grandes coleções particulares e instituições renomadas no mundo inteiro, como a National Portrait Gallery de Londres e a Galleria degli Uffizi de Florença. Precisou de uma carta da própria Lilia Schwarcz, em parceria com Lúcia Stumpf, para convencer o Metropolitan, de Nova York, a emprestar o seu On to Liberty (Rumo à liberdade), de 1867, de Thodor Kaufmann, colocado ao lado, no Tomie Ohtake, do quase idêntico Fuga de escravos (1859), de François Biard, da coleção Fadel.

Desde o início, um mote curatorial para a exposição foi não tratar a mostra pelo aspecto cronológico e, sim, por meio temático. A partir da experiência com a exposição anterior, Schwarcz e Pedrosa decidiram dividir a mostra em oito núcleos. Seis deles estão no Masp: Mapas e margens, Cotidianos, Ritos e ritmos, Retratos, Modernismos afro-atlânticos e Rotas e transes: Áfricas, Jamaica, Bahia. No Instituto Tomie Ohtake, estão Emancipações e Ativismos e Resistências. “Não queremos explorar o tema como uma história definitiva, enciclopédica, que vai dar conta de tudo”, afirma Adriano. “Temos a noção de história como especulativa, criativa, processual, aberta, plural e polifônica. Falamos que são histórias que, assim que acabar a exposição, já valem ser revistas.”

Narrativas plurais

A ideia de crítica social acima do aspecto cronológico moveu o time de curadores da exposição Histórias Afro-Atlânticas em seus oito núcleos, distribuídos entre Masp e Instituto Tomie Ohtake. Apesar de não ter sido pensada com esse propósito, a mostra ocorre nos 130 anos da abolição da escravidão no Brasil. “A data precisa ser politizada. Temos que nos perguntar se há motivo para comemorar o fato de o Brasil ter sido o último país a libertar os escravos”, questiona Lilia Schwarcz.

Os núcleos discutem a questão negra com uma mistura de obras históricas e contemporâneas. No núcleo Emancipações, as imagens clássicas de Debret e Rugendas são confrontadas com os equipamentos de tortura, prova de que os povos africanos nunca aceitaram a escravidão pacificamente. “Desde o início da escravidão no Brasil, se tem registro de quilombos”, afirma Hélio Menezes.

No núcleo Retratos, em oposição ao que é visto em museus eurocêntricos, o negro é colocadas como protagonista. A dificuldade é a falta de registros históricos não só de artistas negros como de retratações dignificantes de pessoas negras. Para o setor, foram comissionados dois trabalhos de Dalton Paula, que imaginou figuras históricas e sem registros, como a rainha quilombola Zeferina e o alfaiate João de Deus Nascimento. “A proposta é representar personagens esquecidos”, explica Tomás Toledo.

A mostra tem ainda foco em arte de países caribenhos, maiores irmãos brasileiros na herança africana. “O exercício é expandir a visão e descentralizar”, diz Ayrson Heráclito.

HISTÓRIAS AFRO-ATLÂNTICAS

MASP. Av. Paulista, 1.578. Tel. 3149-5959. 3ª a dom., 10h às 18h; 5ª, até 20h. R$ 35 (gratuito às terças). Até 21/10.

Instituto Tomie Ohtake. Av. Faria Lima, 201. Tel. 2245-1900. 3ª a dom., 11h às 20h. Entrada gratuita. Até 21/10.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.