Uma cortina com dezenas de letras, feitas de acrílico transparente, recebe o visitante. A luz e a brisa que entram pela janela fazem com que elas se movimentem – e criem suaves reflexos pelo chão. Até aí nada muito diferente do tipo de experiência lúdica que se costuma ter no Museu da Língua Portuguesa. Mas, logo atrás dessa cortina, está a tela Mulheres, pintada por Di Cavalcanti em 1973. É a mostra Narrativas Poéticas, que abre nesta terça-feira, 25, ao público e que reúne 58 obras que fazem parte da Coleção Santander Brasil.
Pela primeira vez desde sua criação, há oito anos, o museu abre espaço para uma exposição de artes plásticas. A interatividade, sempre presente por ali, agora aparece de forma bem mais sutil. “Essa exposição tem uma interação que vai se dar por meio do despertar da emoção, do potencializar das sensações”, analisa Helena Severo, curadora-geral da mostra.
No caso, tais sensações são reforçadas pela presença de trechos de poemas escritos por nomes como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Vinicius de Moraes. Esse diálogo entre imagem e palavra tem como objetivo convidar o público a se deter por mais tempo diante das pinturas, gravuras e esculturas expostas.
“Quando a pessoa parar para ler o poema, ela já vai ver a pintura ao lado com um tempo diferente; a função dele é tornar possível essa apreciação mais profunda”, observa Antonio Cicero, que fez parte da equipe curatorial, ao lado de Eucanaã Ferraz e Franklin Pedroso.
Entre os trabalhos, estão criações de nomes importantes para a arte brasileira, como Tomie Ohtake, Iberê Camargo, Emanoel Araujo, Alfredo Volpi e Carybé. Há também obras de contemporâneos – entre elas, uma pintura de Renata de Bonis e uma fotografia de Fernanda Rappa.
Esse recorte da coleção já passou por Porto Alegre, Brasília e Belo Horizonte, atraindo, no total, cerca de cem mil visitantes. Mas, em cada cidade, ele ganhou contornos diferentes.
Na versão paulistana, a expografia, assinada por Marcello Dantas e Suzane Queiroz, inclui um nicho criado especialmente para abrigar a escultura Tocadora de Guitarra (1923), de Victor Brecheret. A peça de bronze fundido é cercada por oito divisórias brancas, em que são colocados versos como os de Arnaldo Antunes: “Olha para o ventre/ Dentro/ De onde olha/ O olho/ De onde olham/ Todos/ Juntos para o mundo”.
A intenção da curadoria não é usar os poemas para descrever as obras – e nem usar as obras para ilustrar os poemas. Mas, em alguns casos, é possível estabelecer relações entre os dois elementos. É o caso de Mar Azul, escrito por Ferreira Gullar e colocado entre uma xilogravura de Fayga Ostrower e um óleo sobre tela de Manabu Mabe. Nos dois trabalhos, predominam tons azulados.
Outro exemplo é a obra de Cássio Vasconcelos, uma série fotográfica composta por três partes. Nela, o artista registra a construção de arranha-céus espelhados. Como as imagens foram feitas em diferentes períodos do dia, o edifício assume cores variadas. Perto dela, está o poema Inspiração, de Mario de Andrade, que diz: “São Paulo! Comoção da minha vida”.
Além de ocupar as paredes e as janelas do local, alguns versos são projetados pelo chão – e acompanham áudios narrados pelos próprios autores, como Augusto de Campos. Assim, é difícil esquecer que se está no Museu da Língua Portuguesa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.