A referida expressão me levou, depois de natural pesquisa, à sua fonte. Mas também à constatação de um fato, de uma efeméride da qual certamente muito poucos se aperceberam: transcorre no ano fluente o trisesquicentenário de nascimento do clássico poeta francês François de Malherbe (1555-1628). Diriam Camilo Castelo Branco e Coelho Neto, mestres do vernáculo, que faltam apenas dez lustros para o milênio…
Evidentemente, o francês não chegou a merecer o título de grande poeta, de grande criador de poesia. Mas foi certamente um extraordinário artesão do verso, a ponto de Boileau, mais tarde, chegar a considerá-lo o ?supremo legislador? da poesia francesa. ?Data venia? ao mestre de ?L?art poétique?, a verdade é que o título caberia melhor a Maynard e, sobretudo, a Racine, ainda que este fosse, por excelência, um alto dramaturgo. Seja como for, Malherbe é uma espécie de arquétipo do formalismo, do culto à Forma com maiúscula, à forma que ele buscou com uma espécie de ?ostinato rigore? davinciano.
A rigor, Malherbe talvez merecesse a frase com que ?santo? Antero criticou o não menos santo Castilho: ?Ele tem a forma, mas falta-lhe a idéia?. Por outras palavras, o mestre dos Sonetos pretendia dizer que Castilho, à maneira do francês, seria um mestre do artesanato, mas medíocre na criação. E nós não podemos esquecer que, em grego, ?poiesis? significa justamente criação. Vem do verbo ?poien?, que significa criar.
Mas, deixando para trás essas considerações introdutórias, que ao leitor talvez pareçam divagações inúteis ou circunlóquios supérfluos, se não impertinentes ou inoportunos, tentarei chegar logo ao que mais interessa: o poema específico em que Malherbe se refere às rosas que desabrocham na primeira frase do presente artigo/crônica. Refiro-me ao poema ?Stances à Du Périer sur la mort de sa fille? (Estâncias a Du Périer sobre a morte da sua filha). Trata-se de uma espécie de consolação ao amigo pela perda da filha, na primavera da vida.
Temos aí o mais belo canteiro do jardim poético malherbiano. Vale a pena ler os versos finais do poema inesquecível:
?Et, rose, elle a vécu
ce que vivent les roses:
l?espace d?un matin?.
Embora o sentido seja transparente, traduzo, na certeza de que nem sempre vale o famoso brocardo italiano ? ?traduttore, tradittore?:
E, rosa, ela viveu
o que vivem as rosas:
uma curta manhã.
Temos aí a coexistência pacífica da simplicidade extrema com a extrema beleza. Simplicidade e beleza que, de certa forma, iluminam o trisesquicentenário malherbiano.
João Manuel Simões é escritor.