O diálogo entre escritores que criam no mesmo idioma, mas vivem realidades distintas – esse é o propósito do projeto Minha Língua, Minha Pátria, que começa nesta sexta-feira, 10, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi, e se estende até quarta, 15.
Fruto da parceria da livraria com o jornal português Público, o evento permitirá encontros estimulantes como o do domingo, 12, entre a cantora Adriana Calcanhotto e o autor Jerônimo Pizarro, especializado na obra de Fernando Pessoa. Ou o dos jovens Gregorio Duvivier e Matilde Campilho, na quarta, 15, representantes da nova geração.
A abertura, sexta à noite, 10, vai homenagear um clássico da língua portuguesa, Eça de Queirós (1845-1900). E, para tratar do tema A língua como pátria ausente, foi convidado o professor catedrático da Universidade de Coimbra Carlos Reis.
“Eça foi um escritor sempre atento e reativo às transformações culturais que o rodeavam, às inovações literárias que ia testemunhando e aos grandes movimentos da história do seu tempo”, afirma Reis, em entrevista por e-mail à reportagem. “Em 1866, com pouco mais de 20 anos, Eça já escrevia sobre Baudelaire e Flaubert; nos anos 1870, percebeu o impacto social que o realismo poderia ter numa sociedade que carecia de reformas profundas; pouco depois (em parte graças à crítica que Machado de Assis lhe endereçou, quando da publicação d’O Primo Basílio), percebeu os exageros e as deformações do naturalismo e foi-se afastando dele; já em fim de século, observou, a partir de Paris, onde era cônsul, os excessos, as contradições e alguns equívocos de uma civilização que se queria fundada no desenvolvimento científico e tecnológico, na produção industrial desenfreada, na disputa pelas matérias-primas em regime de exploração colonial.”
Reis reforça que Eça integrou a coloquialidade no discurso das suas personagens, anulando a retórica artificial.
Homem lúcido, Eça refletiu em sua obra a vida que o rodeava. “Alguns exemplos: n’O Crime do Padre Amaro estão bem presentes as contradições da Igreja Católica e de uma concepção rígida do sacerdócio, tendo em conta em especial a obrigação do celibato. O romance Os Maias não é apenas (e já seria muito) um extraordinário panorama da sociedade e da história portuguesas do século 19 (a história relatada estende-se por quase sete décadas); ali lemos também, em regime ficcional, uma reflexão acerca da incapacidade do ser humano para decidir o seu destino e para lidar com forças que o transcendem e também a sua sujeição a uma espécie de doença do século chamada romantismo.”
Carlos Reis defende ainda as invenções linguísticas promovidas por Eça, que buscava libertar o idioma da retórica fradesca, dos clichês sentimentais e da pompa dos literatos. “A sua capacidade de inovação linguística chocava de frente com quem tinha da língua uma visão rigidamente vernácula, que não aceitava estrangeirismos, nem ousadias sintáticas”, explica. “Para além disso, Eça viveu a maior parte da sua vida literária fora de Portugal e, sendo assim, naturalmente incorporou termos e construções do francês e do inglês que acabaram por entrar na língua portuguesa. Nos textos de Eça, a palavra ‘detalhe’ era considerada um francesismo horrendo; hoje, pouca gente tem essa noção.”
Em suas pesquisas, Carlos Reis descobriu uma preciosa novidade: Eça teve uma relação direta com o jornal O Estado de S.Paulo – na verdade, Província de São Paulo, como então o jornal se chamava. Logo depois de publicado em livro, em Portugal, “Os Maias” saiu em capítulos na Província. A publicação, quase diária, durou de 12/8/1888 a 6/1/1889. Por que fez isso? “Para ganhar um dinheirinho suplementar e para evitar que, logo depois de aparecido o romance em Portugal, surgisse uma edição pirata no Brasil.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
MINHA LÍNGUA, MINHA PÁTRIA
Livraria Cultura. Av. Brig. Faria Lima, 2.232. 6ª, sáb., 2ª a 4ª, 19h30; dom., 16h e 18h. Grátis. Até 15/4.