Era a grande dúvida – como o público internacional de um dos maiores festivais do mundo poderia se comunicar com uma obra como o curta de Joel Pizzini, Mar de Fogo, inspirado no mais secreto clássico do cinema brasileiro? Mário Peixoto fez Limite em 1931, construindo uma narrativa experimental que até hoje desafia códigos e entendimentos. Um barco à deriva no mar, uma mulher que estende as mãos presas por algemas. Essas algemas foi o que ele viu primeiro, numa ilustração numa banca, em Paris. Imediatamente lhe veio outra imagem, o mar de fogo.

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Durante 50 anos, Limite viveu na sombra. Restaurado – pela fundação de Martin Scorsese, com apoio de Walter Salles -, Limite ganhou nova vida, novas telas para a decifração do seu mistério. Pizzini dedica seu curta de oito minutos a Saulo Pereira de Mello, que foi o guardião do tesouro cinematográfico de Peixoto. Ele utiliza imagens do filme e do making of que o diretor, um visionário, rodou simultaneamente. Mar de Fogo comunica-se! A plateia predominantemente jovem chegou nesta terça ao filme de Pizzini ao final de uma sessão de curtas – todos concorrendo ao Urso de Ouro da categoria -, e feitos dentro de uma mesma pegada. Muitas brincadeiras com o cinema, uma investigação do universo feminino, por meio de mãe e filha. Ao fim da sessão, e do debate, muita gente queria saber de Limite. Para essa garotada, a questão é – o filme está disponível para download na rede? Para Joel Pizzini, a questão é outra. A repercussão de Mar de Fogo em Berlim lhe dará força para viabilizar seu projeto Mundéu, inspirado no processo criativo do longa de Mário Peixoto?

Um grande festival como Berlim é feito de muitas seções, muitos formatos e experimentos. Houve aqui frissom com o concorrente alemão Victoria, de Sebastian Schipper. Uma mulher, uma cidade, uma noite, um plano. Victoria sai para dançar, envolve-se com um grupo de rapazes e eles a arrastam numa louca jornada. Um assalto a banco que desagrega o grupo e culmina em morte. Não há nada de relevante nessa experimentação do plano único, além do gosto de buscar formas diferentes de narrar. A forma pode até ser diferente, mas o que o diretor está dizendo, não. Wim Wenders recebe neste festival um Urso de Ouro honorário por sua carreira. Walter Salles, que apresenta seu documentário Jia Zhangke – Um Homem de Fenyang em Panorama Dokumente, foi convidado pelo festival, leia-se Dieter Kosslick, para entregar o Urso a Wenders.

No começo de sua carreira, Salles foi muito influenciado pelo cinema de estrada do autor alemão. Na apresentação de Um Homem de Fenyang, foi mais longe. Disse que o amor de Wenders por cineastas como Yasujiro Ozu e Nicholas Ray – poderia ter citado também Samuel Fuller – foi inspirador para que fizesse seu retrato do colega chinês. Salles transformou a homenagem do festival a Wenders num tributo pessoal. Depois do fiasco do épico de Werner Herzog, Rainha do Deserto, havia apreensão pelo que Wenders poderia apresentar em sua nova ficção. É seu melhor filme em anos. Ele gostou da brincadeira e, depois de Pina, retoma o uso do 3D, agora numa história mais intimista. Acompanhamos James Franco como um escritor, durante anos de sua vida, em Everything Will Be Fine.

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No começo, ele está na direção do carro, numa paisagem nevada. Surge esse trenó. O herói respira aliviado quando resgata um menino debaixo do carro. Não percebe que há outra vítima. O filme acompanha em paralelo as vidas de Franco, enquanto ele amadurece como autor e adquire notoriedade, e a de Charlotte Gainsbourg, desenhista, mãe dos garotos. Wenders já filmou Ulisses e Telêmaco – em Paris, Texas. Volta à tragédia grega, que se passa em família.

O problema é o ator, e não que James Franco não seja bom. O filme cobre um período longo, mais de dez anos. Existem momentos em que ele deveria ser mais maduro, fisicamente. Franco está no festival com diversos filmes (os de Wenders e Herzog, outro chamado I am Michael). Nos EUA, a revista Cineaste colocou na capa a chamada ‘What so queer about James Franco?’. Não é para patrulhar, mas porque esse namoro do ator, que também produz, com o universo LGBT, é único em Hollywood. Michael é militante gay. Franco adora esses personagens. Trafega por eles sem ficar rotulado, e isso é que a revista, e qualquer cinéfilo, acha raro no cinemão.

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