Estreia a 1ª Mostra Internacional de Teatro de SP

São Paulo não precisa de um festival. Há uma infinidade de espetáculos em cartaz. E as produções internacionais nunca estiveram tão presentes. Essa era a percepção de produtores e gestores culturais da cidade. Mas Antonio Araujo, diretor do Teatro da Vertigem, e Guilherme Marques, diretor do teatro CIT- Ecum, não pensavam assim. “Fala-se que a cidade é grande demais. Dispersiva demais para um festival. Essas desculpas nunca me convenceram”, diz Araujo. A MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo nasce dessa percepção.

Com abertura marcada para este sábado, 8, o evento delineia um perfil próprio, distinto do que se vê no País nos últimos anos. Passa longe dos nomes do ‘mainstream’. Investe em criadores consagrados, porém não canônicos. Ligados à experimentação e com proposições radicais, eles são artistas como o italiano Romeo Castellucci, que abre a grade com Sobre o Conceito de Rosto do Filho de Deus: uma polêmica peça na qual crianças atiram granadas sobre uma imagem do Cristo.

Ainda que seja uma iniciativa nova, a MIT surge com um lastro. Tem como inspiração os antigos festivais de Ruth Escobar. Eles movimentaram a capital entre os anos 1970 e 90. Aproximaram grandes encenadores da plateia brasileira. E, vale lembrar, influenciaram toda uma geração de artistas. Robert Wilson esteve pela primeira vez em São Paulo em uma dessas mostras. Jerzy Grotowski, Mabu Mines e Philippe Decoufflé também desembarcaram aqui pelas mãos de Ruth.

“Um festival tem que ser um vulcão, um ponto de efervescência na cidade”, crê Araujo, que assina a direção artística. Para conseguir criar tal efeito em uma metrópole de porte muito maior do que o das localidades onde tradicionalmente ocorrem esses eventos – Paraty, Porto Alegre, Curitiba -, o curador buscou uma programação concentrada: durante nove dias, o público terá a oportunidade de acompanhar 11 espetáculos.

A quantidade é pequena se comparada a de outras mostras. O que importa neste caso, contudo, não são quantos, mas quais as obras escolhidas. Uma safra considerável do que se produz fora de nossas fronteiras.

Para definir a programação, o critério utilizado não foi temático. Não existe um mote em torno do qual gravitem os selecionados. Mas algumas linhas a nortear as escolhas. “Todos os artistas escolhidos são ligados à experimentação”, aponta Antonio Araujo. Seus espetáculos investigam ou relativizam a própria linguagem teatral.

Mais conhecido por seu trabalho como artista plástico, o sul-africano William Kentridge é o responsável pela encenação de Ubu e a Comissão da Verdade.Com seu background, ele é capaz de quebrar os limites entre as linguagens artísticas. Convoca animação, desenhos, bonecos e filmes para coexistirem em cena com os atores. Só que essas experimentações acontecem sem perder o vínculo com o que acontece no “mundo real”.

A peça se baseia nos depoimentos da Comissão da Verdade instaurada na África do Sul para investigar os abusos do apartheid. E pode servir ao espectador brasileiro como uma evocação da comissão atualmente em curso no Brasil.

Os anos de ditadura militar voltam a encontrar eco em Escola, do chileno Guillermo Calderón. Conta-se a história de um grupo de militantes de esquerda que, na década de 1980, recebe treinamento para lutar contra o regime do ditador Augusto Pinochet.

Em voga no Brasil, o teatro documental de viés autobiográfico também aparece com vigor entre os estrangeiros. Em Nós Somos Semelhantes a Esses Sapos, o grupo francês MPTA traz um bailarino que perdeu uma das pernas e expõe sua limitação física em cena. Já em Eu Não Sou Bonita, a espanhola Angélica Lidell parte de uma experiência de abuso sexual na infância para mergulhar nas fissuras do modelo patriarcal ainda vigente.

A sofisticada programação tem todos os méritos. Mas não é o foco único de atenção dos organizadores da MIT. O acesso foi uma das preocupações: todos os espetáculos são gratuitos. E estarão em cartaz em salas próximas a estações de metrô. “É possível democratizar o acesso sem abrir da excelência artística”, pontua Araujo. A relação com o público também esteve no horizonte dos curadores. E não foi relegada à condição de programação paralela, como geralmente acontece.

Inúmeras atividades devem descortinar as produções, abrindo diferentes portas de acesso ao que é apresentado. “Isso para nós era tão importante quanto os espetáculos”, diz o diretor artístico. Na série Olhares Críticos, especialistas em outras áreas do conhecimento que não o teatro discutem ao que assistiram. Frei Beto, Vladimir Safatle, Ismail Xavier e Laymert Garcia dos Santos estão entre os debatedores convidados. Já o evento Pensamento em Processo convoca os próprios artistas para conversar e expor os meandros de seus processos de criação.

A atividade dos críticos teatrais será outro dos focos de discussão.

Representantes de cinco blogs produzirão críticas que circularão no dia seguinte às estreias. Eles também participam de um encontro com profissionais veteranos sobre os limites, possibilidades e desafios de se produzir crítica teatral hoje. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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