Há qualidades a serem apontadas em A Estrada 47, de Vicente Ferraz. Em primeiro lugar, o esmero técnico, obtido em condições de filmagem difíceis, ainda mais com orçamentos apertados como os do cinema nacional. Um elenco muito bom – Daniel de Oliveira, Thogum, Julio Andrade, Francisco Gaspar, além do italiano Sergio Rubini e do alemão Richard Sammel.

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Por fim, mérito ao abordar um tema complicado, a presença brasileira na 2.ª Guerra Mundial, encontrando um caminho justo, que evita tanto o ufanismo como o deboche. Essa soma de qualidades bastou para dar a Estrada 47 o prêmio principal em dois dos mais importantes festivais de cinema do País – o de Gramado e o Cine Ceará, ambos em 2014.

A ideia de Ferraz é dar dimensão humana aos combatentes da Força Expedicionária Brasileira na campanha da Itália. Existe ainda muita controvérsia histórica a respeito dessa participação. Há quem garanta que foi a moeda de troca de Getúlio Vargas para o financiamento americano da usina de Volta Redonda.

Ao longo da primeira fase da guerra, Getúlio procurou manter a neutralidade, até ser obrigado a tomar partido. Enviar tropas era decorrência de haver escolhido um lado. E lá foram os pracinhas, heroicos para uns, simplesmente despreparados para outros. Por exemplo, a campanha brasileira é ironizada num filme como Rádio Auriverde, de Sylvio Back, que rendeu muita polêmica na época do seu lançamento. A Cobra Fumou, de Vinicius Reis, toma partido oposto.

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A opção – ficcional – de Vicente Ferraz toma o lado dos soldados. A história é a da conquista da tal Estrada 47, minada, que, uma vez liberada, permitiria o avanço das tropas americanas. Para fazer o serviço, os brasileiros vão para o sacrifício, enfrentando a neve, a solidão, o medo. No final, a glória ficará para outros, o que é um comentário adicional sobre os vencedores da História (com agá maiúsculo) e o local privilegiado que ocupam no panteão. São também esses bons propósitos críticos, ao lado das atuações convincentes, que fazem a força do filme.

No entanto, há que se dizer que, apesar de muitos bons momentos, A Estrada 47 sofre de uma espécie de anemia interna, uma falta de punch que o torna menos eficaz e emocionante do que poderia ser. Há muitos tempos vazios em sua estrutura. Ok: os tempos mortos fazem parte de algumas das narrativas mais fabulosas (como O Deserto dos Tártaros, de Valerio Zurlini), mas é preciso cuidado para agenciá-los. Tempos de espera devem soar como de ação, como em Onde Começa o Inferno, de Howard Hawks, com seus 141 minutos que não se veem passar. É preciso que se integrem, por assim dizer, à narrativa, algo que nem sempre acontece em A Estrada 47. A sensação, no espectador, é de que o longa padece um pouco de falta de assunto. Pode até nem ser isso, mas causa esse incômodo subjetivo.

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Talvez essa impressão de ser arrastado lhe cobre algo no desempenho de público, pois A Estrada 47 não é, nem quis ser, um filme convencional de guerra. Não interessava ao diretor a dinâmica dos combates e, se eles existem em alguns momentos, o foco é sempre outro: o elemento humano, frágil numa situação de risco total de vida e procurando manter a dignidade nas condições em que seria mais lógico perdê-la. A falta de tradição do cinema brasileiro nesse domínio também contribui para a impressão de estranheza. É filme a ser visto com cuidado, respeito e atenção. Não sei se despertará paixões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.