A irlandesa Lucinda Riley, que viajou muito com o pai quando era criança, ouviu dele que ela deveria conhecer o Brasil. Guardou o conselho, fantasiou acerca da terra distante e acalentou o sonho, mas nunca fez nada de concreto para tirar a viagem da lista de coisas a fazer antes de morrer. Foi a literatura, profissão escolhida aos 20 e poucos, que a trouxe para cá – caminho que sua personagem Maia, protagonista de As Sete Irmãs, faria no romance lançado com pompa no Copacabana Palace, na semana passada, e que será apresentado neste domingo, 24, aos leitores na Bienal do Livro de São Paulo.
Já editada em diversos países e trilhando uma bem-sucedida carreira, ela se frustrava porque nenhuma editora brasileira se interessava por seus romances femininos. Um dia, sem mais nem menos, uma amiga sensitiva ligou para ela e disse: “Sabia que você vai para o Brasil?”. Ela ainda não tinha recebido o e-mail de sua agente dizendo que a Novo Conceito estava interessada em publicá-la – a mensagem só chegaria na manhã seguinte. Nesta semana, de volta ao Brasil pela terceira vez, ela foi a Abadiânia conhecer o homem que soprou no ouvido da amiga que seu sonho estava prestes a se realizar: o médium João de Deus.
O enredo de As Sete Irmãs surgiu em 2012, quando ela veio divulgar, também na Bienal do Livro, A Casa das Orquídeas. Terminados os compromissos na cidade, ela partiu para o Rio, para o tão aguardado encontro com o Cristo Redentor. Decidiu, naquele momento, que incluiria a história do País em seu próximo trabalho, e em março do ano seguinte estava instalada num apartamento em Ipanema. De um lado, a praia; do outro a estátua cuja construção seria o pano de fundo da história que ela começava a escrever ali.
O livro tem início com a morte de um homem que criou suas filhas numa idílica casa num lago austríaco – isolada, protegida do mundo exterior e acessível apenas por barco. Todas as meninas foram trazidas de um lugar diferente do mundo. No testamento deixado a Maia, estão as pistas de sua origem e ela, uma tradutora de livros (do português, inclusive), sem saber o que fazer naquela casa e para fugir de um amor prestes a reaparecer, ela decide iniciar a busca por sua identidade.
No Rio
Poderia ter sido apenas uma estratégia de marketing, ou então uma tentativa de retribuir o carinho com o qual foi recebida por suas fãs. “Ir à Bienal foi provavelmente a mais incrível experiência da minha carreira literária. Havia 300, 400 pessoas gritando. Foi emocionante. Meu momento Madonna”, contou, na véspera de sua viagem a Abadiânia. Mas ela garantiu que não foi jogada e disse que existe uma ligação mais forte, talvez espiritual com o País. E que, assim como Maia, está tentando descobrir algo de si. O que já encontrou? “Meu coração”, disse.
“Viajo o mundo todo, vejo muitos lugares, mas normalmente não sinto o que o Brasil despertou em mim. Como alguém pode explicar isso? Meu nome é Lucinda, tão português. Somos ingleses, por que meus pais me deram esse nome? Quem sabe eu não estive aqui há 200 anos”, questiona.
E vai além: “Acredito em outras vidas, e não acho que sou eu quem escreve essas histórias. Falo as histórias para um gravador. Nunca volto, nunca sei para onde estou indo. No final, tenho cerca de 190 mil palavras e realmente acho que elas foram ditas a mim”. Ela disse que fazer essa viagem para conhecer o médium é como ir para casa. “Talvez seja sobre isso essa história toda. Não sei qual é a conexão, mas o processo desse livro mudou a minha vida.”
Enquanto esteve no Rio para a pesquisa, a escritora conheceu a cineasta Bel Noronha, bisneta de Heitor da Silva Costa, idealizador da estátua do Cristo. As duas viraram melhores amigas e Lucinda teve acesso a diários, cartas, fotos. Uma historiadora a ajudou a imaginar o Rio naquele início dos anos 1920. “Quis escrever uma história que nunca foi escrita. Até os brasileiros acham que o Cristo foi um presente da França ao País”, comentou. Mas As Sete Irmãs, o primeiro de uma série que a irlandesa que divide seu tempo entre a literatura, os quatro filhos, uma casa na Inglaterra e outra na França pretende escrever, é um romance – recheado, sim, de fatos históricos. O enredo acompanha a família de Maia por décadas e incluiu até o envolvimento de um dos membros com drogas.
Para Riley, o processo de idealização e criação de um livro – já são seis – é como numa gravidez: dura nove meses. “Qualquer que seja a história, escrevo do fundo do meu coração. Nunca sei se alguém vai gostar. Só tenho que escrever.”
Depois de sua ida à Bienal, ela volta ao Rio para tentar fazer um passeio pelo interior da estátua. Está mais tranquila, já que recuperou a mala que não embarcou no mesmo voo que ela – e onde estava um vestido comprado para a festa do Copacabana Palace com o adiantamento recebido de um país do leste europeu – e por ter conhecido João de Deus. “É simplesmente uma força da bondade. Céticos… Venham e vejam por vocês mesmos.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.