Essas mulheres inacessíveis

A natureza não faz nada por acaso – as mulheres inacessíveis, por exemplo. Se elas são inacessíveis, é para ficarem lá, em seus pedestais, embora sejam as que mais bolem com o desejo do homem.

Claro, é preciso um pouco de experiência e muita observação para se chegar a esta conclusão radical. A grande verdade é que as mulheres inacessíveis representam fonte inesgotável de neurose, problemas e inquietações, de forma que a relação custo benefício equivale ao sujeito comprar um carro que consome dez litros de gasolina por quilômetro rodado.

Se alguém emenda de pronto o que eu sei do assunto, eu poderia dizer que em minha longa e dissoluta existência já tive minhas mulheres inacessíveis. Mas vou ser modesto e tratar de outras que é falta de elegância abrir meu baú amoroso em público.

Vou sair pela tangente e pegar três exemplos. O primeiro é Conchita, eloquente máquina de fazer louco que Pierre Louÿs criou em seu romance La Femme et Le Pantin, que inspirou o belo filme de Luis Buñuel chamado Esse Obscuro Objeto do Desejo.

Quem não leu o livro e viu o filme não precisa de apresentações. E já que toquei em Buñuel poderia emendar e falar do romance do franco-argentino Joseph Kessel, Belle de Jour, que o cineasta levou às telas para tratar da relação entre burguesia e repressão sexual.

Mas prefiro entrar noutro território de mulher inacessível, muito cultuado pelos homens, que são as ninfetas, que Vladimir Nabokov eternizou no romance Lolita a ponto destas garotas púberes serem conhecidas desde então pela alcunha da personagem homônima.

Humbert Humbert pagou o preço por tocar no intocável. O terceiro exemplo é o de Marguerite Gautier, que Alexandre Dumas Filho celebrizou no romance passional A Dama das Camélias, levado às telas em uma dezena de interpretações cinematograficas, a mais celebre com Greta Garbo e outra digna de citação com a brasileira Cristiana Reali.

Se bem que, neste caso, o elemento inacessível está de cabeça para baixo: Armand Duval é um aristocrata e Marguerite a cortesã, inacessível, com uma barreira social e de preconceito entre os dois. Uma questão que Dumas sentiu na pele: o livro foi inspirado nas relações do escritor com a cortesã Marie Duplessis.

Foi por este caminho que W. B. Fahrenheit trilhou para construir a personagem Laura Schneider, mulher inacessível de A Garota da Cidade, por desejar ir embora da cidade e ser famosa.

Aliás, ela precisava ir embora por que matou um japonês num hotel, foi presa e fugiu da cadeia. Romance publicado parte em capítulos em jornal depois que o jornalista Marcelo Bulgarelli convidou o autor para escrever uma coluna semanal. Um clássico do folhetim noir burlesco.

Bem, já que se falou em Greta Garbo, ela foi um caso notório de mulher inacessível, criou – até por necessidade de preservar a vida privada – aura de mistério, que a tornou ainda mais sedutora, aumentando seu fascínio.

Era promessa de sensualidade para os marmanjos de seu tempo, embora na vida real não quisesse nada com homens, era lésbica e solitária, o que fez dela definitivamente inacessível e misteriosa. Para os homens.

Outra fonte de mulher inacessível está no tempo, diria Albert Einstein. A permissividade de Louise Brooks ou a voz de Rina Kitty em J’Attendrai ou Mon Coeur Soupire leva qualquer a suspirar por estas donas, inacessíveis por habitarem o passado.

Jeanne Moreau, por mais bela e tentadora que foi hoje está caindo aos pedaços, como muitas outras divas vivas, coisa que vai acontecer a todos nós, inclusive a você leitor. E as jovens divas de nosso tempo, têm conceito relativo de inacessibilidade.

Angelina Jolie com seu par de lábios carnosos e seios convidativos de Laura Croft é acessível a Brad Pitt, mas não a multidão de homens aos quais dardeja uma imagem sensual.

Mesmo que estivesse investida de extrema generosidade, seria impossível atender a demanda. O que faz dela inacessível até por uma questão física. É o que podemos chamar de inacessibilidade relativa.

Esta inacessibilidade relativa também ocorre no filme Malena de Giuseppe Tornatore. Malena Scordia – Monica Bellucci – é objeto do desejo dos homens de um vilarejo na Sicilia.

Incluindo Renato Amoroso, de 13 anos, narrador, que só pensa naquilo. A guerra leva o marido da divina que é dado por morto e ela tem de se virar. Ela desce do pedestal, aceita gentilezas para não morrer de fome e faz favores sexuais para advogados sebentos, velhos inescrupulosos, esta interminável galeria de homens abjetos que tem apenas uma virtude, dinheiro no bolso.

Malena vira até piranha de nazista que é o fundo do poço. Uma mulher inacessível que se tornou acessível até demais. Mas não para o sonhador Renato. Que para conhecer os segredos do sexo vai escoltado pelo austero, porém generoso, pai a um puteiro se encontrar com o avesso da mulher inacessível, a mulher fácil: a prostituta.

Mas se era para ser assim, porque Renato não caiu nos braços de Malena? Por que Malena, com sua história tortuosa não é uma prostituta qualquer. É uma mulher inacessível que decaiu. O que faz dela uma maldita a espera de redenção.

Há uma história curiosa do playboy Jorge Guinle. Ele levou muitas atrizes para a cama, do Copacabana Palace no Rio ou de outros hotéis mundo afora. Uma delas foi Marlene Dietrich.

Tiveram uma noite maravilhosa. Na manhã seguinte, ela deixou bilhete sugerindo a ele dar um mimo de recordação dos momentos inesquecíveis. O mimo em questão era um quadro de Picasso que ele poderia encontrar numa galeria de Paris.

Ah, sim: eles estavam em Paris. Foi um sufoco para o primo de Jorge segurar o playboy, decidido a debilitar as finanças da família por um lugar cativo na memória da diva.

Claro que nesta questão, se o sujeito tem dinheiro – e dinheiro é muito dinheiro -, ele chega mais rápido ao coração de uma mulher inacessível, embora a maioria delas insista em dizer o contrário.

Mas dinheiro não é tudo, embora seja muito. A imaginação masculina é a maior aliada da mulher inacessível. Nenhuma delas seria o que são sem ela. Por isto, o conceito de mulher inacessível ultrapassa o mundo real.

Um exemplo: Valentina de Guido Crepax, ápice de luxuria nos quadrinhos. Ou as divas sensuais de Milo Manara. Na minha juventude tinha Brigite Montfort personagem de Lou Carrigan -um espanhol de nome Antonio Vera Ramirez – e ilustrada por Benicio – José Luiz Benicio – o maior desenhista brasileiro de pin-ups. O que Benício fazia era de humilhar Ivo Pitanguy e avacalhar qualquer photoshop, o terror das rugas e celulites.

Aliás, o photoshop abre capítulo especial na história das mulheres inacessíveis. Afinal, tem sujeito que olha a Playboy e a patroa em casa, que posou nua para a revista e pergunta: ‘Mas é você?’. E ele quer a patroa da revista, mas aquela, aquela é inacessível. É filha do photoshop.

Pois bem. Chegando ao fim, um curioso pergunta: o que aconteceu a Laura Schneider, a inacessível de Maringá? Ela voltou à cidade no final dos anos 70. Alguns dizem que virou pastora evangélica, outros que casou e foi presa.

Outros que fugiu para Lins, em São Paulo, onde teve doze filhos. O que intriga é que Lins também é a sigla de lugar incerto e não sabido. Resumindo, continua misteriosa, embora hoje tenha mais de 50 anos. Continua, para variar, inacessível.

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