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Espírito de Tudo é o novo disco de Maria Alcina

Maria Alcina caminha entre sorrisos, acenos e pedidos de foto pelos corredores do prédio do Estadão, na zona norte de São Paulo. Ela já vem vestida no personagem, de olhos enormes e maquiagem surpreendentemente equilibrada em sua linguagem de exageros.

Uma Carmem Miranda tropicalista que só seria alter ego se a Alcina do palco fosse diferente da mulher de todos os dias. Ela vem falar de Espírito de Tudo, seu novo disco desde 2014, quando lançou De Normal Bastam Os Outros, do mesmo produtor, Thiago Marques Luiz. O segundo projeto fonográfico em três anos, estabelecendo uma frequência que parece ter retomado desde 2010, quando lançou Maria Alcina Confete e Serpentina.

Ouvir Maria Alcina ainda é um susto. Não um choque, mas um susto. Sua voz continua exercendo o mesmo impacto da jovem que surgiu no palco do Maracanãzinho, em 1972, de ombros duros e cadeiras soltas, cantando Fio Maravilha, a música que defendeu no VII Festival Internacional da Canção da Globo. Solano Ribeiro, o criador dos festivais, havia pedido uma composição a Jorge Ben e escolhido Alcina, sua recém descoberta, para defendê-la. Não deu outra. Alcina, que já batalhava desde seu primeiro compacto, seria a última revelação da mesma Era dos Festivais que havia trazido Elis Regina à tona oito anos antes. O formato já agonizava em 1971, com o esvaziamento das plateias e a desarticulação da classe artística, desestimulada pelo ambiente político. Os anos se passaram mas o susto de Maria Alcina ainda resiste.

Espírito de Tudo tem como mérito ser um projeto escolhido para vestir a alma de Alcina. Não por acaso que Caetano Veloso é seu combustível. Da mesma forma em que alimenta os agudos de Gal Costa na outra extremidade, a zona cinzenta de Caetano justifica agora a existência da personagem Maria Alcina. Orientada por Thiago Marques, ela busca não o mais digestivo, o mais festeiro ou o mais nostálgico da personalidade de Caetano, mas o contestador, o insatisfeito e, por vezes, o menos palatável. Ela parece mais interessada no bárbaro tropicalista.

Mesmo dando pulos no tempo, o repertório capta o tormento de Caetano, em letra e música. Da fase com os Doces Bárbaros, projeto de 1976 que reuniu naquele ano Gal, Bethânia, Caetano e Gilberto Gil, ela canta duas: Gênesis (de onde sai a expressão do título, espírito de tudo) e Os Mais Doces Bárbaros. Gênesis está um pouco mais pesada do que a original, que já era crua e roqueira com solo de blues viajante de Perinho Santana, e muito mais pesada do que a regravação do próprio baiano lançada em Cores, Nomes, de 1982.

O Caetano ‘lisérgico’ (entre muitas aspas, já que sua produção nunca é feita sob efeitos de drogas, diferente de Gil) se reinventa em trilogia de álbuns nos anos 2000 mas parece o mesmo tropicalista na ligação do tempo que a voz de Alcina é capaz de fazer. A sujeira de Rocks é do álbum Cê, de 2006, trazendo mais experiências com guitarras e, de novo, uma carga dramática que faz Caetano soar quase comportado. Os tormentos de O Estrangeiro, de 1989, dá sustos de novo, com a longa declamação. As guitarras nervosas voltam em Tropicália, de 1968.

A costura segue na revisita de A Voz do Morto, que só saiu em 1968, no compacto Caetano e Mutantes ao Vivo. Um feito que seria gravado por Aracy de Almeida e só seria colocado em álbum por Caetano anos depois, em Zii e Zie, de 2009. E é desse mesmo disco roqueiro que vem A Cor Amarela. Antes mesmo do final do disco, há uma sugestão de leitura. A personagem de Alcina, esvaziada quando só entendida pelo viés da felicidade que seu sorriso fácil e suas cores imprimem, ganha profundidade e tensão quando colada na aura angustiada de Caetano. Apesar de a imagem sugerir o contrário, Maria Alcina não é um personagem de discursos nem bandeiras político sociais. Ela é uma cantora e diz apenas o que a música manda no momento em que está cantando. Seus olhos grandes e seus graves parecem ajudar Caetano Veloso a explicar melhor o que ele queria dizer.

Fala Alcina

Pelos shows que festa esta semana, no Sesc Pompeia (duas sessões na quinta, dia 29), ela sente que seu público ganha novas frentes. “Estão lá pessoas de todas as idades e todas as camadas. Isso é fruto de andar. Quando me faltou gravação, eu andei. Onde tinha lugar para eu cantar eu cantava.”

Ela se reconhece também como mais uma beneficiada pela reavaliação histórica possibilitada pela memória palpável dos sites de busca. “A internet traz esta outra geração de público, que vai atrás do artista. Muita gente que era pequenino quando me via. Este público, na verdade, não te esquece. Ele é mais inteligente do que a gente.”

Sobre Caetano, lembra que ele vem antes do próprio Jorge Ben. “Este disco… Eu considero um presente que a própria profissão me dá. Por anos, você oferece para a vida até que, um dia, ela começa a te devolver, as coisas voltam para você. Caetano Veloso foi minha primeira gravação em compacto, com Mamãe Coragem. Ele é o meu começo e a minha continuação.”

Sobre sua postura vocal, mais orientada ao rock and roll sem acabamentos e em contraste com a extinção dos arroubos da voz em duas gerações de cantoras na música brasileira, ela diz: “Acho que existe sim (até a geração atual) uma escola de um canto que vem da bossa nova. Mas, na verdade, estou com essa pegada porque o meu trabalho permite. Os arranjos do Rovilson Pascoal (também violonista) são o pulo do gato. Foi a primeira vez que me joguei nessa região. Para mim, também foi uma revelação.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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