Não é tão simples ver crianças narrando as agressões sofridas por pais e professores porque elas foram mal nos estudos. O cotidiano trazido no filme Homework (1989), do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, foi responsável por despertar o imaginário do dramaturgo e diretor Amir Reza Koohestani para a educação iraniana.

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Antes de desembarcar em São Paulo, ele estreia o espetáculo Escuta (Hearing), com o Mehr Theatre Group, na programação do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, que começa nesta quinta, 4. Até 13/7.

No filme de Kiarostami, meninos sentam em frente à câmera para contar o ritual de agressões. A justificativa dada é que se comportaram de modo distraído ou não tiraram a nota esperada pelos pais. “A agressão retratada no filme era algo que, creio eu, copiava da antiga escola religiosa baseada no slogan: Mais pressão sobre as crianças, faz adultos fortes”, conta Koohestani, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Na época, ele tinha a mesma idade das crianças ouvidas por Kiarostami.

Na peça, o diretor encontra nas meninas a forma de narrar a história. No meio da noite, a jovem Samaneh ouve a voz de um homem. Ela está em seu quarto, no dormitório feminino da escola. Lugar proibido aos homens. Em geral, quando é preciso que algum funcionário do sexo masculino entre, um aviso sonoro alerta as garotas para que vistam o hijab, o véu islâmico. Ela não sabe, mas o que ouviu vai interferir na vida de Neda, sua colega.

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No palco, Koohestani diz que a peça busca ativar a imaginação. “Diante de uma proibição, existe um espaço para imaginar. É por isso que meu palco é quase espacial. Ao ativar a imaginação, que é diferente da visão, o teatro começa a prosperar.”

Muitos anos depois do testemunho da jovem, o episódio retorna e Samaneh precisa relembrar aquela estranha noite. Mais velha, ela vai precisar repensar o acontecimento e as consequências. “É o trauma de Samaneh que se repete em sua cabeça: ‘E se eu pudesse mudar o passado, e se eu pudesse responder às perguntas do conselho do dormitório de forma diferente.'”

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Diante de um mundo em transformação, o iraniano avalia que o ambiente escolar que inspira sua Escuta apresentou mudanças. Com alívio, ele diz que o famigerado método perdeu muita força. “Hoje em dia, a educação no Irã é mais civilizada e melhorada em todos os aspectos, a pressão sobre as crianças foi minimizada, e os pais que foram vítimas da velha escola são mais reconhecidos e conscientes da condição correta e psicológica de seus filhos.” Escuta faz apresentação no Sesc Pompeia nos dias 9 e 10/7.

Programação

Com mais de 60 atrações confirmadas, o Festival de Teatro de São José do Rio Preto comemora 50 anos com uma edição que não pretende limitar as fronteiras entre o teatro e a cidade. Conhecido internacionalmente, o brasileiro Desvio Coletivo desembarca com a performance Cegos, dias 11 e 12. O trabalho cria um coro de pessoas cobertas de lama e com os olhos vendados caminhando pela cidade. Também é na rua a apresentação da contundente dZikudZikui-aBiku-aBiikus, de Gana. A performance critica a histórica exploração e escravidão de pessoas na África Ocidental. No trabalho, Va-Bene Fiatsi está com um dos pés amarrados a dois pneus que queimam, espalhando fumaça ao ar livre.

Para o público infantil e adulto, Elisa Ohtake reúne nos dias 8 e 9 um time de crianças em Peça para Adultos Feita por Crianças. Juntos, eles se propõem a contar uma versão mais divertida do clássico Hamlet.

Destaque

Por favor Feche a Porta, Obrigado (México)
Nova peça do grupo Vaca 35 fala de imigração e foi concebida com atores que moram em Ciudad Juaréz, na fronteira com os EUA

Strikethrough (Gana)
A artista Va-Bene Fiatsi debate as questões de gênero em uma performance sobre a união do masculino e feminino

Inimigos (Brasil)
Voltado ao público infantil, a montagem da Cia dos Feitos parte da ideia de inimigo e como essa relação hostil surge no dia a dia, desde o esporte até a política

Protocolo Elefante (Brasil)
Um das mais interessantes companhias de dança contemporâneas do País, o Grupo Cena 11 fala de memória e esquecimento em espetáculo de sons e luzes

Cegos (Brasil)
Grupo Desvio Coletivo reúne um coro de pessoas cobertas de lama e com os olhos vendados em uma grande performance que caminha pelas ruas

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.