A infância da dramaturga Priscila Gontijo tinha uma agenda peculiar. Os pais jornalistas imprimiam à rotina da casa noites com a visita de amigos escritores, com direito a histórias que adentravam a madrugada, e tardes preenchidas pelo som da máquina de escrever. Por outro lado, as viagens a trabalho enchiam o dia a dia dos filhos de um silêncio inquietante.
Esse clima ativa o encontro de três irmãos em A Vida Dela, dirigida por Marco Vedoya, que estreia no Instituto Capobianco neste sábado, 11. Na peça, o trio aguarda o pai escritor deixar o escritório em sua casa para uma reunião importante de família. O filho matemático diagnosticado com esquizofrenia parou de tomar os remédios e precisa ser internado de novo. Essa é a opinião dos outros dois, uma autora de peças e um cineasta, conta Priscila. “Loucura foi um ponto de partida, embora eu não quisesse fazer uma peça sobre doença mental.”
Isso também passa pelo clima da montagem, que pretende ser leve, ressalta. “Também não queria descaracterizar a identidade dessas pessoas. Foi preciso criar uma situação de absurdo, para suscitar o humor.”
Aos poucos, a ausência do pai fica cada vez mais insuportável e os irmãos artistas começam a revelar aspectos do próprio insucesso: a dramaturga nunca conseguiu encenar um espetáculo em toda a sua carreira e o cineasta só consegue trabalho com filmes publicitários.
“A segurança que eles têm na própria saúde é minada quando revelam o fracasso em seus trabalhos”, conta a dramaturga sobre a peça, que teve uma primeira encenação no Rio, sob direção de Delson Antunes.
Com as fraquezas de cada descoberta, os três irmãos passam a se atacar mutuamente. A autora tem manias estranhas para se inspirar a escrever sobre os personagens da peça homônima e o cineasta cultiva uma rotina intensa de trabalho e despreza tudo o que não pague as contas no fim do mês. Para Priscila, a ilusão do sucesso e a pressão por sobreviver atinge a dupla de artistas que tenta provar que o irmão “louco” não foi salvo pela racionalidade da matemática e merece ir para uma clínica se tratar. “São pessoas tentando provar a existência de seus ideais e suas ilusões e mostrar que não estão desamparadas. Cada um tentando encontrar o próprio caminho e buscando agradar ao pai, que não aparece”, conta a dramaturga.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.