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‘Espectador é dramaturgo’, diz Antunes

Antunes Filho conversa com o jornal O Estado de S. Paulo em seu quartel-general, o Centro de Pesquisas Teatral, no Sesc Consolação. É ali onde ensaia Eu Estava em Minha Casa e Esperava Que a Chuva Chegasse com as atrizes Fernanda Gonçalves, Daniela Fernandes, Viviane Monteiro, Suzan Damasceno e Rafaela Cassol. O espaço está tomado por cadeiras espalhadas aleatoriamente e há apenas uma mesa de cor escura, enigmaticamente colocada à frente, no centro. “Como não estava definido o local da ação, decidi por todos os lugares, representados pelas cadeiras. Explicações? Não dou. O público tem que fazer sua própria dramaturgia: espero que cada um saia do espetáculo com sua própria história”, observa o encenador. “Todos saindo como uma espécie de Marcel Duchamp, ou seja, como alguém que transforma o banal em arte.”

Ele oferece, portanto, apenas fragmentos da história, fiapos que auxiliam o espectador a ter uma mínima ideia da situação dramática. “Ausência de informação provoca curiosidade. A experiência sensorial tem que ser assim”, conta Antunes, sempre firme em sua missão de dramatizar o contemporâneo. “O drama aqui é um recorte da realidade, pois o teatro não tem a amplitude de um romance, por exemplo, que engloba tudo, criando um mundo inteiro.”

O processo de trabalho de Antunes Filho não se resume apenas à montagem de uma encenação. “Ele busca contextualizar o assunto da peça, fornecendo dicas de filmes, livros, quadros, esculturas, enfim, tudo que enriqueça a compreensão da montagem”, conta Luana Frez, assistente do diretor. “Com esse conhecimento, fica mais fácil entender a obra poética dessas mulheres e seus caminhos na história – afinal, a figura masculina, apesar de central na narrativa, é deslocada para as margens.”

O texto do francês Jean-Luc Lagarce (1957-1995) tem sua construção dramatúrgica baseada na memória e na imaginação. Para ele, importava mais o não dito, o que espelha suas peças a clássicos como As Três Irmãs, de Chekhov, ou mesmo Esperando Godot, de Beckett, e Odisseia, de Homero. Em todas, o fio que as une mostra a realidade como algo desprezível diante do universo de possibilidades que cada personagem cria na cabeça, pois cada uma, de um modo muito particular, apresenta possibilidades de existência que tomam por reais. “É a chamada elipse da espera”, explica Antunes.

Seu método criativo continua indestrutível – para o encenador, o minimalismo é um caminho correto a ser seguido por um ator. “Hoje, todos gritam muito, como se o berro fosse a melhor forma de se passar uma mensagem”, conta ele. “Um artista tem de articular bem e não se apoiar em microfones.” Para Antunes, técnica é vital. “Usamos hoje o falso naturalismo e, para isso, o ator deveria usar todos os seus ossos para conseguir uma boa inflexão.”

Antunes comunga da mesma profissão de fé de Hélio Oiticica, que via o artista não como um criador cuja obra deveria ser contemplada, mas como um motivador. “A criação como tal se completa pela participação do espectador, agora considerado ‘participador'”, dizia o artista. Por isso que, irrequieto, o encenador constantemente põe seu talento à prova, criando alternativas para a boa interpretação.

Foi assim com o método de articular as palavras a partir de uma região do cérebro, passando pela criação do fonemol, língua imaginária criada e desenvolvida por ele e que traz vestígios de palavras conhecidas, especialmente nomes próprios, até chegar com a provocação de escalar um homem para viver Blanche Dubois, buscando classificar o intérprete desse tipo como um performer. “É aquele ator ou artista que se torna agente de crise, visando quase sempre ao inédito para sensibilizar e transformar o humano, o social e o político arraigado”, contou ao Estado em 2016, quando da estreia de Blanche.

A disposição de Antunes parece não ter fim. “O ator brasileiro vive desassistido: é preciso orientação pela arte e para a arte”, comenta ele, incansável na luta que não tem fim.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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