Ter o próprio espaço depois de 50 anos de existência é uma conquista e tanto. Após sucessivas ocupações provisórias em endereços diversos (Pinacoteca, Cidade Universitária e Museu da Imagem e do Som, entre outros), o Paço das Artes finalmente encontrou sua sede definitiva. O acordo de ocupação por 20 anos (contrato renovável por mais 20) foi firmado com a Secretaria de Estado da Cultura com o novo proprietário do casarão Nhonhô Magalhães, o Shopping Pátio Higienópolis, que, em 2005, comprou o imóvel em um leilão do governo estadual.

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O casarão, que completou 80 anos de sua inauguração no ano passado, é, na verdade, um palacete inspirado em similares franceses do século 19, construído num terreno com muitas árvores e mais de 7 mil metros quadrados. Contudo, a área ocupada pelo Paço das Artes não ultrapassa 500 metros (300 para exposições e 200 para a área administrativa), segundo a curadora e diretora artística da instituição, Priscila Arantes.

Para uma instituição que tem um histórico memorável – mostras de artistas como Bill Viola, Cildo Meireles, Marina Abramovic -, o espaço parece pequeno, mas, considerando o endereço exclusivo e a destinação do Paço das Artes – um museu para abrigar em seu acervo obras digitais -, ele parece razoável. “O Paço sempre trabalhou com artistas de risco, é um espaço de resistência, não do mainstream”, explica sua diretora, revelando que a busca por nomes inovadores, ainda não “legitimados”, vai continuar.

A propósito, a artista da mostra inaugural, Regina Silveira, foi professora de muitos jovens hoje consagrados, como Jac Leirner, Iran do Espírito Santo e Leda Catunda, que renovaram o panorama artístico brasileiro nos anos 1980. “Sempre orientei meus alunos para que descobrissem a própria poética”, diz, lembrando que o vínculo entre arte e educação, estreito no passado, ainda pode formar artistas capazes de transformar a triste situação em que se encontra a cultura no País.

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Ainda que a arte de Regina Silveira fosse mais explicitamente política nos duros anos 1970, ela não considera que se distanciou da dimensão semântica das obras dessa época. “Toda obra é política”, resume, vendo suas peças contemporâneas como uma extensão de conceitos de intervenção no espaço – e é curioso que uma artista de resistência à ditadura hoje ocupe uma parte de um casarão de colunas jônicas e ogivas neogóticas que já abrigou a Secretaria de Segurança Pública do Estado.

Dois trabalhos inéditos de Regina Silveira ocupam o novo Paço das Artes, contrastando com o ecletismo arquitetônico do palacete que o barão do café Carlos Leôncio Magalhães (1875-1931) mandou construir em Higienópolis. Um é o citado Cascata, que projeta no chão as janelas do palacete tombado pelo Patrimônio Histórico. Outro fica no lado externo do prédio. Chama-se Dobra e reproduz o mesmo procedimento da série Anamorfas, criadas na década de 1980 pela artista – nelas, imagens fotográficas de objetos rompem com a perspectiva linear renascentista. No caso de Dobra, trata-se de um banco real cuja sombra é projetada distorcida, no melhor estilo do Gabinete do Doutor Caligari (1920), filme clássico de Robert Wiene.

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Embora a fonte de inspiração da artista não seja o cinema, críticos como o professor Teixeira Coelho, lembra Regina, viram em outra obra da exposição inaugural do Paço das Artes, Lunar, certa semelhança com Melancolia, o filme do dinamarquês Lars von Trier (a peça em exposição, evoque-se, foi concebida antes dele). Nela, desenvolve-se uma espécie de balé entre duas esferas, uma dança lírica que coloca a percepção do espectador à prova.

Outra obra de grande efeito poético na exposição é Limiar, em que a artista explora um conceito caro aos artistas de todas as épocas, projetando a palavra “luz” em 76 idiomas – de uma pulsação luminosa a uma iluminação “numinosa”, a distância passa a ser insignificante. Para a diretora do Paço das Artes, trata-se quase de uma representação alegórica da nova fase do espaço, que pretende, segundo Priscila Arantes, promover o diálogo entre o artista contemporâneo e um público não necessariamente iniciado em arte. Democrático, portanto.

A recorrência temática, no caso de Regina, a obras que realizou nos anos 1970, tem também uma dose de retórica política para os tempos de autoritarismo. Para a 34ª Bienal, cujas portas se abrem em setembro, ela prepara um “labirinto de vidro” que traz embutido uma alusão metafórica aos “labirintos” construídos por ela no período da república dos generais – a forma mítica convida o visitante a entrar, mas tem uma ressonância nem sempre positiva, desafiando sua percepção.

Todas as cinco obras da exposição inaugural do novo Paço das Artes serão doadas por Regina Silveira à instituição, como fez generosamente no passado ao Museu de Arte Contemporânea da USP (mais de 200 obras). A artista foi professora da universidade entre 1974 e 1994, voltando a lecionar na pós-graduação até o ano 2000. Deixou de dar aulas, diz, para se dedicar integralmente à atividade artística.

SERVIÇO

REGINA SILVEIRA: LIMIARES
PAÇO DAS ARTES
RUA ALBUQUERQUE LINS, 1.331.
3ª A SÁB., 10H ÀS 20H; DOM. E FER., 12H ÀS 19H. ABRE DIA 25 (SÁBADO), 11H ÀS 18H. GRÁTIS. ATÉ 10/5

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.