Saber o que acontece a alguém durante o processo de escrita de um livro, descobrir que aquela história é, em certa medida, a história de seu autor, ou de um amigo, ou do pai, e que o escritor quase abandonou o livro porque teve um bloqueio criativo são questões que não deveriam mudar a relação que se cria com a obra – mas que despertam a curiosidade do leitor. Nenhuma orelha ou quarta capa de livro explica isso, ou de onde veio a ideia para aquela história, o que pretendia o autor ao escrevê-la e, principalmente, o que leva alguém a mergulhar fundo no projeto de um livro já que o processo é tão doloroso. Entrevistas dão algumas pistas, mas é por meio dos raros relatos de um autor que chegamos, se chegamos, mais perto de sua verdade.

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Em “Ficcionais – Escritores Revelam o Ato de Forjar Seus Mundos” (Cepe, 120 págs., R$ 15), que terá lançamento nesta terça-feira com debate na Livraria da Vila, da Vila Madalena, esse universo desconhecido da escrita, da relação do autor com seu objeto é, em parte, revelado. Estão ali textos em primeira pessoa de escritores diversos, de idades variadas, como Bernardo Carvalho, Ana Maria Machado, Daniel Galera, Michel Laub, Elvira Vigna, Ronaldo Correia de Brito, Marcelino Freire, que contam sobre o processo de escrita de um livro específico. São 32 textos no total, todos feitos a pedido de Schneider Carpeggiani, editor do “Pernambuco”, suplemento literário do Diário Oficial do Estado (antigo Suplemento Cultural), que completa agora cinco anos, e foram publicados na coluna “Bastidores”.

Foi Bernardo Carvalho quem, indiretamente, deu a ideia dessa coluna. Ele estava lançando “O Filho da Mãe”, da série Amores Expressos, e Carpeggiani pediu que ele relatasse o período que passou em São Petersburgo, para onde foi mandado com a incumbência de voltar com uma história de amor. “Mais que um relato sobre um livro feito em viagem, numa situação artificial, ele me enviou uma confissão de como aquela história foi criada. O texto é uma espécie de 3X4 do que é o Bernardo Carvalho criando”, conta o editor e organizador da obra. A partir daí, ele resolveu investir nesse tipo de provocação.

Foram poucas as recusas desde a criação da coluna, há cerca de quatro anos. Mas a dúvida é unânime: como fazer isso? “Aí entra o trabalho de psicólogo que todo editor deve exercer. Teve um escritor que eu não posso revelar o nome que disse: ‘Mas eu não posso escrever isso, porque eu sou o personagem. E ninguém pode saber, porque essa história é complicada’. Respondi: ‘Se seu romance é ‘real’, então faça um texto ficcional dizendo como criou aquela ficção. Ninguém vai notar’. E ele fez. Ou seja, na cabeça dele, o texto de ficção de verdade é o texto da coluna Bastidores. Parece um jogo de espelhos de Borges”, conta.

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A ausência mais sentida no livro é de um texto de Moacyr Scliar publicado às vésperas de sua morte. “A família dele fez várias exigências para liberar o texto, entre elas que o livro só tivesse uma edição. Aí a gente deixou de fora, mas o texto é lindo.” O último a dizer não à coluna foi Daniel Galera. O escritor, que acaba de lançar “Barba Ensopada de Sangue”, disse que já tinha falado muito sobre a obra. Ele, porém, está no livro com um texto sobre “Cordilheira”, seu romance que ganhou o Prêmio Machado de Assis. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

FICCIONAIS

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Org.: Schneider Carpeggiani. Editora: Cepe (112 págs., R$ 15)

BATE-PAPO

Livraria da Vila (R. Fradique Coutinho, 915). Tel. (011) 3814-5814. Terça, 19 h, com Ricardo Lísias, Sidney Rocha e Luis Henrique Pellanda