A inspiração do escritor Sérgio Sant’Anna não nasce da palavra, mas especialmente da imagem. Fascinado pelos trabalhos Tangseng e Yaojin, do chinês Li Zhang Yang, ele retornou cinco vezes à mostra que expunha as obras para melhor admirá-las. “Fiquei apaixonado”, comenta o escritor de 72 anos. “Yang consegue uma perfeição que o papel não atinge. Eu sabia que, desde que vi a obra, teria que escrever sobre ela.” Dessa admiração, nasceu o conto Amor a Buda, um dos 19 que compõem o livro O Homem-Mulher, cuja capa reproduz o trabalho de Yang e que Sant’Anna lança nesta segunda-feira, 22, em São Paulo.
Ele terá uma conversa com o médico Drauzio Varella no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, a partir das 19h30. Uma hora depois, vai autografar o livro. Uma ótima oportunidade para se desvendar um pouco da técnica singular de um dos mais importantes escritores brasileiros da atualidade. Como poucos, Sant’Anna transporta com precisão para o papel suas inquietações que, de tão diversas, provocam o nascimento de contos tão díspares. É o caso, por exemplo, dos que inspiram o título do livro, justamente o primeiro, mais curto, e o último, quase uma novela.
Neles, Sant’Anna parte do mesmo princípio: a decisão de um rapaz de se vestir com roupas femininas sem que, com isso, perca sua masculinidade. “O cross-dressing sempre me fascinou e intrigou. Fiz pesquisas na internet, procurei entender as razões, por exemplo, do (cartunista) Laerte em fazer isso. O cross-dresser é um das figuras mais enigmáticas da sexualidade atual e, como não entendo a psicologia disso, criei uma obra em aberto”, explica ele que, por desconhecer, não faz julgamento, o que traduz em um frase simples, porém, esclarecedora: é apenas um modo de ser.
Sant’Anna, na verdade, não se preocupa com o visível, o real, mas com sentimentos. Por isso que seus personagens, em todos os cantos, estão em busca de um sentimento que os complete e os conforte. E a narrativa dessas viagens é carregada de erotismo – o sexo revela-se o principal (e, muitas vezes, único) conforto no enfrentamento das mazelas.
O contista volta ainda a refletir sobre a própria técnica, no texto O Conto Maldito e o Conto Benfazejo. Como já fizera em O Conto Abstrato e O Conto Obscuro, publicados em outros livros, Sant’Anna investe, dessa vez, no âmago da linguagem, criando uma linhagem para estilos de um gênero de fôlego curto, mas de grande impacto. “Em tudo, faço uma reflexão da alma humana”, observa. “E, para isso, não me importa o caminho seguido pelo conto, que tanto pode terminar com uma explosão como com uma esperança, uma abertura.”