As novelas são, por natureza, territórios bem demarcados. De um lado, os heróis e heroínas, corretos até o último fio de cabelo, sofrem a trama inteira à espera do indefectível "…e foram felizes para sempre". Do outro, os odiados vilões aprontam o quanto podem antes da "justiça divina" do autor. Entre um e outro "time", no entanto, há uma horda de personagens bem menos maniqueístas, que costumam conquistar a simpatia do público e fazer a alegria de seus intérpretes. Uns erram até não poder mais, outros são invejosos e chegados a uma "armaçãozinha", há ainda os que não resistem a uma boa vingança. Mas todos são simpáticos, charmosos, bastante humanos e, no fundo, bem menos nocivos que as verdadeiras criaturas "do Mal".
A dondoca Madô, de A Lua Me Disse, é uma típica representante da "categoria". "Ela é mimada, um pouco desequilibrada, mas muito divertida. Acho que é mais vítima que vilã, porque é completamente equivocada", avalia sua intérprete, Débora Bloch.
Na mesma linha "equivocada", Irene, interpretada por Daniela Escobar em América, vive surpreendendo a atriz pela reação do público. "Ouço coisas que nunca imaginei ouvir, como: ‘Ela está certa, tem de ser assim mesmo’", diverte-se Daniela, que tenta entender a simpatia despertada pela "perua". "É como se ela dissesse e fizesse coisas que as pessoas têm vontade de dizer ou fazer, mas não têm coragem", arrisca. Responsável pela adaptação de Os Ricos Também Choram, Marcos Lazarini chama de "catarse enviezada" a reação do público aos personagens de caráter duvidoso. "Submetidos a regras rígidas, nos permitimos rir e simpatizar com personagens que, por serem da ficção, não fazem mal", avalia Lazarini.
Humanos
Há quem pense, por outro lado, que o verdadeiro motivo da empatia de tais personagens seja sua humanidade. Com um comportamento longe de ser irretocável, eles estariam bem mais próximos dos comuns mortais que os impolutos heróis. "Todos trazemos o Bem e o Mal dentro de nós, em luta constante. Ninguém é perfeito", compara Antônio Calmon. Autor de Senhora do Destino, Aguinaldo Silva exemplifica com Giovanni Improtta, o ex-bicheiro vivido por José Wilker, que agradou tanto a ponto de conquistar o coração da heroína Maria do Carmo, personagem de Suzana Vieira. "Ele reconhecia suas "fraquezas", mas nunca perdia de vista o fato de que era maior que elas", filosofa Aguinaldo. Tony Ramos também atribui à humanidade do coronel Boanerges, de Cabocla – que tinha todos os defeitos de um típico coronel -, a torcida do público pela sobrevivência de seu filho temporão, que morreu nas duas versões da novela. "Era um personagem com todas as gamas de um ser humano, em suas verdades e contradições", avalia o ator.
Mas não é só o público que se deixa conquistar pelos personagens "desviantes". Os atores também adoram interpretá-los. Apesar de condenar as insistentes e agora bem-sucedidas investidas de Lurdinha em Glauco, vivido por Edson Celulari em América, Cléo Pires não esconde a satisfação com a personagem. "É horrível uma pessoa querer destruir uma família, ainda mais da própria amiga. Mas tem o lado hilário disso. E é ótimo ela ser tão debochada", justifica a atriz. Na pele do golpista Samuel de Os Ricos Também Choram, Joaquim Lopes acha que não poderia ter estreado em melhores condições na tevê. "Vou ter oportunidade de viver vários personagens em um, porque, a cada golpe, ele vai arrumar um disfarce diferente", explica o ator.
![Grupos de WhatsApp da Tribuna](/resources/images/blocks/whatsapp-groups/logo-whatsapp.png)