Literatura e cinema

Entre erros e acertos, Não Pare na Pista tem qualidades

Há sempre um mal-entendido envolvendo Paulo Coelho. Ele pode ser – um brasileiro! – o autor vivo que mais vende no mundo, mas os críticos não querem nem saber. Sua literatura é de autoajuda, aliás, nem é literatura, é sub. E pronto. O público? A massa, dizem os críticos, não tem discernimento. O próprio diretor Daniel Augusto deu entrevistas dizendo que Paulo Coelho ainda precisa, ou merece, ser alvo de uma investigação séria – quem sabe para se entender o fenômeno -, mas pelo visto não deixa de dar razão aos críticos. Ou pelo menos o roteiro de seu filme sobre o escritor, assinado por Carolina Kotscho. O editor, com toda sinceridade, diz a Paulo que seu livro é ruim, mas ele escreve bem e, se quiser, ele tem contatos na imprensa, ele poderá indicá-lo e, quem sabe, Paulo talvez vire um bom jornalista.

Paulo – Júlio Andrade, com a convicção de sempre – só encara. Ele já disse repetidas vezes ao longo do filme. “Sou escritor’. O curioso é que só depois da fala do escritor o letreiro anuncia que Paulo trocou de editor e, com O Alquimista, iniciou a trajetória triunfal. Só então aparece o letreiro. Não Pare na Pista – A Melhor História de Paulo Coelho. É a sua vida, bem entendido.

Não Pare na Pista estreia na quinta-feira, 14, da semana que vem. Não será um megalançamento, mas grande, algo em torno de 300 salas. É um filme sobre a gênese do escritor Paulo Coelho. Desde garoto, ele vive dizendo que quer ser escritor. O pai quer que ele se encaminhe na vida. O médico do instituto psiquiátrico – o filme começa com uma tentativa de suicídio – também não acha uma boa ideia. Só a mulher confia e, quando Paulo empaca diante da página branca, ela diz – ‘Quem disse que seria fácil? Para chegar a ser o escritor mais popular do mundo – do mundo! -, esse homem tem de tocar as pessoas. E como se faz isso? Quando se quer alguma coisa de verdade, todo o universo conspira para que se alcance o desejado. É uma das máximas de Paulo Coelho.

O filme começa fragmentado – para expressar a mente caótica do garoto suicida? É bem filmado e interpretado – por Júlio Andrade, claro, por seu irmão Ravel, que faz Paulo garoto, por Fabíula Nascimento (a mãe) e a atriz que faz a mulher. Paz Vega, de Lúcia e o Sexo, é bela, mas a personagem, que resumiria todas as mulheres de Paulo, é vaga. Enrique Dias rouba a cena como o pai. Não tem para ninguém, nem para Júlio (sorry). Até mais ou menos dois terços, pode-se olhar o filme com uma admiração blasé. Fria. É bem-feito, mas não toca. Nem o personagem nem a narrativa, sempre saltando de um lugar a outro, de um tempo a outro, produzem empatia. E então algo se passa, e é quando Raul Seixas entra em cena.

Paulo faz uma música para o pai, que a ouve no rádio do carro, e é a segunda melhor cena do filme. Enrique Diaz não precisa dizer nada – na verdade, ele vai dizer depois, quando se estabelecer a linha direta com o filho. A grande cena é depois do concerto de rock, quando Raul chama Paulo ao palco e ele comanda a multidão no que parece, para os esbirros da ditadura militar, um ato de subversão. Paulo está noutra, tentando uma conexão cósmica. (Existe um lance bem interessante e é o fato de Paulo se sentir traído pelo parceiro, que assume como sua a composição dele.) Para o torturador, Paulo é só um subversivo. A cena é extraordinária e diz mais sobre a máquina de tortura e a relação entre torturado e torturador que muito documentário e/ou ficção dedicado ao assunto. Paulo desmonta o torturador com sua ‘loucura’. Se aquilo ocorreu daquela maneira, é gênio. A cena é genial.

Toda a parte final é muito bonita, com o reconhecimento, pelo pai, de que o filho tinha de construir a casa (a vida) como queria. Mas o filho também terá um olhar mais compassivo para esse pai sofrido. Entre os dois, a mãe, admirável Fabíula Nascimento. Não Pare na Pista tem erros e acertos. Tem qua,lidade. E é ambicioso, do ponto de vista industrial. Um filme de mercado – para o mercado nacional e internacional, como os livros de Paulo também são. Será curioso acompanhar seu desempenho na bilheteria. O brasileiro tem andado tão avesso ao drama. Nesse sentido, o filme é de risco e, apesar das paisagens de cartão postal na segunda Via Láctea – o caminho de Santiago, São Tiago -, a linguagem não é fácil nem comercial. A fragmentação virou, até na TV, um cacoete – a abertura da nova versão de O Rebu, por exemplo. Talvez o sucesso de Paulo se explique por aí. Escrever simples, direto. Mas esse é um assunto que o filme não chega a abordar.

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