Entre a cruz e o diabo

As manifestações e protestos nos Estados Unidos contra a guerra no Iraque se transferiram para as companhias cinematográficas de Hollywood, que tentam manter-se neutras em relação ao conflito, mas estão ao mesmo tempo preocupadas com a reação da opinião pública.

É o caso da Warner Bros., que modificou o pôster publicitário de seu próximo filme para jovens, What a girl wants, porque a protagonista, Amanda Bynes, veste uma camiseta com a bandeira americana estilizada mas, com a mão direita, faz um gesto inconfundível, símbolo do movimento pela paz.

Outros executivos da meca do cinema demonstram temor em ir contra a corrente em um país que, segundo as últimas pesquisas, está decidido a continuar com seu apoio à guerra, apesar de dezenas de milhares de pessoas saírem todos os dias às ruas para clamar pela paz.

A Dreamworks, do diretor Steven Spielberg, “aconselhou calorosamente” o comediante afro-americano Chris Rock a evitar fazer “campanha” contra o presidente George W. Bush em seus encontros com a imprensa, organizados para promover o novo filme da companhia, Head of State.

Rock tem em seu repertório uma série de pesadas ironias sobre o presidente. Uma vez o comediante disse de Bush: “Não é estúpido, apenas bêbado”, e acrescentou que “todos os negros que votaram em Bush fazem parte de seu Conselho de Gabinete”.

Head of State (Chefe de Estado) acaba de estrear nas salas cinematográficas americanas. No filme, do qual é também diretor, produtor e co-roteirista, Chris Rock representa um candidato democrata que luta para estar à frente da Casa Branca em 2004.

“Investimos dezenas de milhões de dólares neste filme e temos certeza que Chris entende que não é o momento para ironizar sobre o presidente”, disse uma fonte da Dreamworks em seu portal na internet “Drudgereport”.

No caso de Rock, Hollywood recorreu às pressões, enquanto em What a girl wants foi usada a tesoura: a publicidade do filme publicada nos jornais é idêntica à original, a não ser pelo fato de que o braço de Amanda Bynes, em lugar de estar levantado orgulhosamente em sinal de paz, está abaixado.

“Mudamos o pôster porque não queremos dar um tom político a um filme que de político não tem nada”, defendeu-se um porta-voz da Warner Bros.

No filme, a adolescente é filha de um aristocrata inglês, interpretado por Colin Firth, que viaja de Nova York a Londres para se reunir com seu pai, mas durante essa viagem tem vários problemas para se inserir na sociedade britânica.

O gesto de Amanda, explicou o porta-voz, demonstra uma reação tipicamente juvenil de uma adolescente que posa para uma fotografia diante dos guardas uniformizados do Palácio de Buckingham.

Os executivos da Warner dizem estar preparados porque o público – aquele que é favorável à guerra – pode se sentir ofendido em uma situação política muito delicada como a causada pela invasão do Iraque. No entanto, está claro que a “correção” da publicidade agradará a Casa Branca.

Se a ação da Warner passou despercebida para a maioria dos americanos que apóiam a guerra, ofendeu, ao contrário, profundamente os pacifistas. “O símbolo da paz foi censurado em resposta às enormes pres-sões a que estão submetidos os meios de comunicação para se conformarem com a posição oficial do governo sobre a guerra”, protestou a porta-voz da organização Not in our name (Não em nosso nome), Sarah Sorrenson. (Ansa)

Ensaio geral

No próximo dia 8, atores, músicos, escritores e jornalistas irão se reunir em protesto à guerra dos EUA e Inglaterra contra o povo iraquiano. O objetivo do encontro é transformar em expressão artística a indignação já demonstrada nas diversas manifestações, espalhadas pelo mundo (passeatas, abaixo-assinados, boicotes, etc.). No palco do Teatro Maria Della Costa subirão quarenta artistas, entre atores, cantores e músicos.

Os textos estão sendo escritos por jornalistas, escritores e dramaturgos, versando não apenas sobre o conflito travado no Iraque e Kuwait, como também sobre as tragédias que esse tipo de conflito provoca para toda a humanidade. Outro ponto que está tornando possível essa unidade entre esses profissionais da comunicação, em São Paulo, é a perigosa mudança de atitude dos jornalistas e grandes jornais dos EUA. Tradicionalmente conhecidos pela sua independência, no momento se transformaram em imprensa oficial do Pentágono. Essa é a constatação de que a democracia e as demais organizações de cunho internacional correm perigo, com conseqüências imprevisíveis.

No terreno interno, o evento prestará homenagem a profissionais de comunicação que no passado exerceram suas atividades com essa independência perdida, dentre eles os jornalistas Jorge Batista, Perseu Abramo, Vladimir Herzog, além do dramaturgo Plínio Marcos, os compositores João do Valle, Cartola, entre outros.

Obra de Cláudio Tozzi, do acervo do Itaú Cultural, cujo catálogo vem pedindo adesões aos abaixo-assinados pela paz.)

Audiência árabe

A guerra no Iraque trouxe ao primeiro plano o trabalho dos novos canais de TV via satélite árabes, que competem com a rede Al-Jazeera do Catar por um público de 300 milhões de espectadores, entre acusações de sensacionalismo, censura e parcialidade.

A Abu Dhabi TV, sediada nos Emirados Árabes Unidos, e a Al Arabiyya, de Dubai, despontam como principais alternativas à Al-Jazeera, que em 2001 teve o virtual monopólio da cobertura árabe das operações americanas no Afeganistão. Além das três redes, o quarto competidor, de menor envergadura, é a Lebanese Broadcasting Corporation (LBC), que integra o grupo do jornal internacional árabe Al Hayat, de propriedade saudita.

Se em 1991 o público árabe viu-se obrigado a assistir à rede americana CNN para acompanhar a primeira Guerra do Golfo, agora dispõe de maior liberdade de escolha. As redes árabes, além disso, apresentam uma cobertura bem diferente das TVs ocidentais, pois enquanto a CNN ou a britânica BBC exibem imagens de soldados da coalizão anglo-americana, a Al Arabiyya e a Al-Jazeera mostram mulheres e crianças iraquianas feridas e cadáveres carbonizados de pessoas mortas nos bombardeios.

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