“Encontros e Desencontros” estréia hoje

São Paulo – Acusada de favorecimento desde que foi escalada pelo pai para interpretar a herdeira de Al Pacino em O Poderoso Chefão – Parte 3, Sofia Coppola tenta provar que tem luz própria. Dirigiu um filme promissor, As Virgens Suicidas, e agora lança este notável Encontros e Desencontros, que estréia em Curitiba com uma semana de atraso.

Pois bem, quem ainda tem dúvidas sobre o talento da moça vá conferir. O filme é uma pequena jóia. E ganhou um destaque que talvez nem mesmo a autoconfiante Sofia poderia prever: depois de estrear mundialmente numa paralela do Festival de Veneza do ano passado, ganha a matéria de capa da Cahiers du Cinéma, ainda a mais prestigiosa publicação dedicada ao cinema de autor no mundo. A revista, em matéria crítica de Emmanuel Burdeau, se derrete por Lost in Translation, o belo título original. Sem falar nas quatro indicações ao Oscar, todas em categorias nobres (melhor filme, direção, ator e roteiro original).

Bill Murray faz Bob Harris, estrela cadente americana, convocada a Tóquio para um comercial de uísque japonês. Alojado num hotel melancólico e impessoal, lá conhece Charlotte (Scarlett Johansson), mulher de um fotógrafo de moda de Los Angeles. Os dois não compreendem nada do Japão e sentem-se perdidos como peixes fora d?água.

Sofia resolveu se arriscar num domínio dos mais perigosos: americanos fora de casa, que consideram tudo estranho e exótico, e saem em busca do McDonald?s mais próximo para matar saudades da civilização. Por isso o espectador teme pelo destino do filme em seu início. E, no final, fica aliviado ao constatar que Sofia Coppola, como o pai, tem o gosto do abismo. Sente prazer em andar perto da borda, arrisca-se, e sobrevive no final.

Porque estreito é o limite entre o clichê e o verdadeiro reconhecimento das diferenças. Ainda mais hoje, no mundo “globalizado”, em que tudo se encontra em quase toda a parte e portanto fica mais difícil ter aquela sensação de estranheza, aquele arrepio ancestral diante do diferente. A internet está em qualquer ponto do planeta, as grifes idem, as comidas tendem ao igual, de modo que fica difícil identificar o típico, a não ser que ele venha servido como atração turística e, por isso mesmo, já chegue pasteurizado.

Mas, mesmo nesse mundo que tende à uniformização, há um resto de diferença, que sobrevive até em lugares-padrão, como aeroportos e hotéis de luxo. Sofia Coppola vai em busca dessas pequenas diferenças; na verdade, seu filme é o trabalho de reflexão sobre a discutível sobrevivência da originalidade em um mundo de sabor padronizado.

Solidão

É também um notável estudo sobre a banalidade da solidão e a nada banal necessidade da convivência entre as pessoas. Nos intervalos entre a gravação do comercial, Bob, que é casado e deixou a mulher nos Estados Unidos, passeia seu tédio pelos corredores desertos de um hotel high tech. A impessoalidade do bar, o ambiente farsesco do karaokê, as noites sem perspectivas – tudo contribui para o mal-estar desse cidadão de primeiro mundo perdido num ambiente que às vezes se assemelha muito ao seu, sem nunca parecer de fato familiar.

Charlotte vive experiência parecida quando seu marido se ausenta longamente para trabalhar. Fica pelo hotel, conhece Bob e juntam suas duas experiências de solidão e desajuste. Nesse ponto, Sofia Coppola enfrenta mais uma vez o desafio de caminhar sobre o fio da navalha. O filme, que já havia escapado ao destino de fazer caricatura dos japoneses, corre agora o risco de se transformar em comédia romântica sobre amores transitórios.

Pois bem, esse encontro de carências é levado com muita delicadeza e elegância por Sofia. Interessa-lhe pouco descrever um affair rotineiro. Está mais a fim de sondar as aparências, a incomunicabilidade, tudo aquilo que se ganha, mas também o que se perde num encontro a dois. Aquela sobra de incompreensão, que existe quando se escuta um idioma estrangeiro, mas que também acontece quando ouvimos o outro em nossa própria língua materna – enfim, tudo aquilo que se perde na tradução.

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