A comemoração dos 40 anos da Jovem Guarda não pára. Além do show com Erasmo Carlos, The Fevers, Wanderléa e Golden Boys que percorre o País, da reunião de outro time no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, a EMI-Odeon lança a caixa O Tremendão, com os seis discos iniciais de Erasmo, do período imediatamente antes e dos anos em que o programa que deu origem ao movimento ia ao ar na TV Record. Os discos são uma delícia e os roqueiros – dos anos 80s e atuais – fazem bem em copiá-lo. Tal como aos vinhos, o tempo fez bem a esse papa da Jovem Guarda.
Rio de Janeiro, (AE) – Bonachão e esbanjando simpatia, Erasmo falou com a imprensa na segunda-feira (5), numa loja de discos de Copacabana, enquanto o local e a rua em frente lotavam de fãs para um show que ocorreria em seguida. Contou que não ouviu os discos remasterizados. ?Depois de lançar, é passado?, brincou ele. ?Todo artista é assim, ninguém fica ouvindo os próprios discos, quer conhecer outras coisas. Mas vou escutar com atenção quando chegar em casa.?
Passados 40 anos, Erasmo conta, sem mágoa nem saudosismo que o melhor daquela época era viver fazendo o que mais gostava, música em geral e rock, em particular. Hoje sabe quanto eram libertários, mas nem essa consciência havia. ?A caixa expressa os anseios de liberdade, a versão brasileira da revolução que acontecia no mundo e da qual nós fizemos parte, não na linha de frente, mas de forma inocente?, filosofou. ?As guerras e revoluções não são ganhas só pela linha de frente dos exércitos, mas também por quem fica atrás mantendo a inocência. A gente tinha isso.?
Uma inocência escorada em boa produção fonográfica e arranjos ingênuos, mas primorosos. Como resistir ao samba A pescaria, que dá título ao primeiro disco, de 1965? Ou à balada Gatinha Manhosa, que tantos namoros promoveu nesses 40 anos? As versões, de tão entranhadas na memória, esmaeceram o original, quase sempre um rock americano. Assim, Você me acende é hit e ninguém lembra You turn me on. Mellow yellow foi sucesso de Donavan no mundo inteiro, mas aqui virou Caramelo.
?Naquele época, os discos demoravam quase um ano para chegar aqui e a gente aproveitava. O Renato e seus Blue Caps (onde Erasmo começou como cantor) era especialista em Beatles e até hoje, para certo público, Menina linda (versão de I Should have know you better) é música deles, os ingleses é que fizeram a versão?, contou. ?Depois do sucesso de Splish splash, uma versão, o Roberto sugeriu que a gente fizesse também a música. Aí veio Parei na contramão, o segundo rock em português porque antes teve Rua Augusta, do Hervê Cordovil.?
Essas letras eram odiadas e adoradas pela esquerda brasileira, em polvorosa naquele início de ditadura. O pessoal da bossa nova os considerava alienados e inventava oportunidades para malhá-los. Já os jornalistas do Pasquim (Sérgio Cabral, Tarso de Castro, Paulo Francis, etc.) viram na Jovem Guarda uma oposição ao regime e ao sistema que passava longe de Roberto e Erasmo Carlos.
?Eles achavam que Quero que vá tudo pro Inferno tinha um protesto maior do que a letra dizia. Dez anos atrasado e Sentado à beira do caminho eram tidos como hinos de protesto, mas a gente fazia aquilo só pelo prazer. Até pegaria bem dizer que havia uma mensagem nas entrelinhas, mas seria mentir?, ressaltou o Tremendão. ?Com o tropicalismo, as coisas melhoraram. Diz a lenda que a Bethânia chamou a atenção do Caetano Veloso para a nossa música e aí passamos a ser tratados melhor.?