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Em ‘Uma Boa Corrida’, Irvine Welsh revive a escrita despudorada que o consagrou

Escreveu o crítico da Booklist, publicação da American Library Association: “Este escocês é desprezível, profano, trágico, absurdo, gentil, exuberante e nojento em quase igual medida. E também um ótimo entretenimento”. O alvo dessa manifestação de amor e fúria é o escritor Irvine Welsh, criador da célebre galeria de desajustados formada por Spud, Sick Boy, Renton e Begbie, eternizada no romance Trainspotting (1993), que lhe rendeu o status de grande nome da literatura britânica moderna desde então.

A escrita despudorada, no entanto, vista por alguns como exemplo de realismo, é esnobada por outros, crentes de que Welsh, com seus romances, vem criando uma nova categoria para “ruindade”. O que não se pode é ignorá-lo. A Rocco, que edita seus livros no Brasil, acaba de lançar Uma Boa Corrida, no qual retorna o personagem Terry Lawson, agora um homem de meia-idade que, quando não está dirigindo seu táxi pelas ruas de Edimburgo, faz bicos como supervisor de uma sauna ou figurante de filmes pornôs de quinta categoria. E, em todos momentos, Lawson alimenta seus vícios em sexo e cocaína. Aí está a chave do romance: Welsh não poupa constrangimento e muito bom humor para mostrar todas as atitudes tomadas por seu personagem para manter o priapismo e a euforia possibilitada pela droga.

Na vida, Welsh consertou aparelhos de televisão, lutou boxe, trabalhou como auxiliar de cozinha. Experiências úteis na criação de sua obra literária e que lhe conferiram uma liberdade por vezes ultrajante em sua escrita. Lawson, por exemplo, está convicto de que as mulheres não foram colocadas neste planeta para agradá-lo, mas sim que ele nasceu para satisfazer as mulheres. E, quando a saúde do taxista o impede de manter relações sexuais, Welsh não pensa duas vezes e oferece capítulos com depoimentos do pênis do personagem, afoito para garantir que ainda está ativo. Além da irreverência, Uma Boa Corrida reflete sobre a falta de perspectiva de uma geração. Sobre sua literatura, o escocês respondeu, por e-mail e em 20 minutos depois de enviadas, as seguinte perguntas do jornal O Estado de S. Paulo.

Você disse acreditar que Terry Lawson seja feminista. Então, eu pergunto o que você pensa sobre a masculinidade nos dias atuais.

Não acredito na linha simplista de que a masculinidade está em crise. Acontece apenas que a humanidade está simplesmente evoluindo. Sob o feudalismo e o capitalismo, as estruturas econômicas defenderam uma divisão do trabalho, que favoreceu o predomínio dos homens. Agora, não estamos mais presos ao campo e às fábricas. A sociedade conceitualista é mais abstrata e a sua economia, mais difusa, vem do trabalho intelectual, então os antigos papéis de gênero não são mais compatíveis. Essas mudanças exigem tanto das mulheres quanto elas dos homens.

Foi mais difícil escrever uma versão mais madura de Lawson que foi no livro ‘Glue’?

Sim. Eu vejo Terry Lawson como um cara bem-intencionado e que está se ajustando a esse declínio da masculinidade tradicional, mas ele enxerga isso em termos de oportunidade em vez de ameaça. Ele sabe que hoje é mais fácil para os homens ter sexo com as mulheres, mas menos fácil de controlar as mulheres, o que é uma bela coisa para ambos os sexos, certamente.

Em um ponto do livro, Lawson vai a uma reunião para viciados em sexo. Você acha que o vício em sexo é uma coisa real?

Eu prefiro pensar nisso como um comportamento compulsivo-obsessivo, mas sim, você pode tornar-se dependente de qualquer coisa. Nossa sociedade de consumo do capitalismo atual é sustentada com o estímulo e a alimentação do comportamento compulsivo.

Há algumas cenas de estupro e incesto no livro que são, obviamente, muito chocantes. Escrever sobre esse tipo de assunto tabu é sempre difícil?

Na verdade, não. É um exercício técnico de papel e, como qualquer outra coisa, é preciso dar o melhor de si para atingir seus objetivos. Acho que a cena em que ele é estuprado por seu sogro é mais chocante do que quando está transando com sua irmã ou sua namorada morta uma vez que isso não é consensual. (Obviamente, a cena de necrofilia é, mas ele está fazendo sexo com a forma, não com a essência falecida).

Você está com 59 anos. E mencionou em outras entrevistas que seus dias de festa estão em grande parte no passado, mas e sua escrita? Sua abordagem em relação a ela mudou também?

Acredito que estará sempre em mudança. Você se torna impaciente e procura atalhos que não existem. Eu me considero um tanto quanto um novato neste jogo. Estou muito impressionado com escritores que sabem como fazê-lo. Eu não o sei, realmente. Na verdade, eu ainda estou tentando me virar.

Você ainda mora em Chicago? Esse autoexílio oferece um prisma diferente para observar a Escócia?

Estou morando em Miami agora, que é muito mais diferente da Escócia que a própria Chicago. Miami, em geral, se parece mais como a América Latina do que com os EUA. Se eu tivesse como, aboliria as fronteiras e a tornaria a capital dos Estados Unidos. A Escócia é um lugar muito exótico para mim agora. Veja bem, suponho que sempre foi. Quando eu era criança e adolescente, meus companheiros e eu simplesmente gargalhávamos e ríamos estupidamente de tudo no estilo Beavis e Butthead, e ninguém poderia nos entender. Pouca coisa mudou, realmente.

Falando sobre esse assunto, não posso me furtar de te perguntar sobre o presidente americano, Donald Trump. Como alguém que não é nativo dos EUA, o que você pensa sobre esse início de mandato?

Trump é um babaca, e a maldição da era moderna é a nossa tolerância e indulgência ante tais nulidades.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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